« (...) Goste-se ou não do critério fonético em que assenta este Acordo Ortográfico, a regra não posia ser mais clara: pronunciam-se essas consoantes, escrevem-se; não se pronunciam, não se escrevem. De resto, basta consultar-se qualquer dos nossos dois dicionários com a transcrição fonética, o da Academia das Ciências de Lisboa e o da Porto Editora, editatos antes da entrada em vigor da nova reforma ortográfica. (...)»
No seu último artigo aqui no Diário de Notícias (“O reino da insensatez”, 29/06), Vasco Graça Moura (VGM) descreveu, entre outros «custos terríveis» da aplicação do Acordo Ortográfico, entre nós: «Os editores (e não apenas os dos livros escolares) veriam os seus stocks inutilizados», indo por isso «para o lixo milhões e milhões de páginas que servem perfeitamente para o ensino!». A verdade é que:
1) Só em 2015, terminado o período de transição estipulado para a plena aplicação do Acordo Ortográfico em Portugal, é que há a obrigatoriedade de os livros escolares obedecerem à nova grafia do português escrito. Ou seja, só depois de os referidos stocks se irem esgotando pela lógica de sempre deste mercado livreiro.
2) Os custos suplementares das novas reedições, já segundo as novas regras ortográficas, são, pois, irrelevantes. Para isso, há essa ferramenta fundamental, em tão boa hora promovida pelo Estado português e concretizada pelo ILTEC: o conversor automático Lince, disponível graciosamente no Portal da Língua Portuguesa. É só lá ir, descarregá-lo para os nossos computadores, pessoais ou de toda e qualquer entidade ou instituição, privada ou oficial, e proceder-se à conversão de qualquer texto, livro(s) ou documento(s), escrito na grafia de 1945.
Quanto ao resto do artigo de VGM, é um direito que lhe assiste, na sua conhecida e contumaz oposição ao Acordo Ortográfico e respectiva aplicação em Portugal. Tão respeitável quanto o de Fernando Pessoa, que nunca aceitou deixar de escrever “pharmacia”, “philosophia”, “abysmo” e todas as palavras que deixaram de ser escritas com “ph” ou com “y”, depois da nossa primeira reforma ortográfica, fez agora 100 anos. Com toda a consideração e estima que tenho por VGM, não é razoável a persistência em argumentos inexactos, como, por exemplo, na questão da queda das consoantes “c” e “p” das sequências “cc”, “ct”, “pt”, etc. Goste-se ou não do critério fonético em que assenta este Acordo Ortográfico, a regra não podia ser mais clara: pronunciam-se essas consoantes, escrevem-se; não se pronunciam, não se escrevem. De resto, basta consultar-se qualquer dos nossos dois dicionários com a transcrição fonética, o da Academia das Ciências de Lisboa e o da Porto Editora, editados antes da entrada em vigor da nova reforma ortográfica. Perceber-se-á, então, facilmente, a lógica de nós passarmos a escrever perceção, deceção, rutura ou perentório. E a lógica de os brasileiros, porque articulam essas consoantes, manterem a grafia de percepção, de decepção, de ruptura e de peremptório. E, pelo mesmo critério, porque é que, em Portugal, há palavras com dupla grafia, como é o caso de espectador/espetador – como, de resto, já antes acontecia com cobarde/covarde, febra/fevra, louro/loiro, ouro/oiro, etc., etc.
in Diário de Notícias, de 1 de Julho de 2011