Rumo à "reabilitação" do adjectivo, um artigo de Ana Martins no semanário Sol.
Há atitudes e sentimentos dúbios para com o adjectivo. Em sintaxe, o adjectivo não motiva grandes desafios de análise: ou é adjunto ou complemento ou predicativo. Como categoria semântica, o adjectivo perde pontos para o nome: é muito mais peremptório dizer «a mediocridade dos políticos» do que dizer «os políticos são medíocres». Em didáctica do português, o adjectivo até é apresentado como um acessório, dado que, afinal, não conta para a detecção dos elos principais da frase. Em contrapartida, nos estudos literários, o adjectivo pode ascender à categoria de figura de estilo: se aparecer em grupo, tem direito a ser classificado como uma adjectivação.
Na prática discursiva corrente, as pessoas sabem que é preciso ter cuidado com o adjectivo. Aquele que o usa coloca-se automaticamente na posição de avaliador e, nos dias que correm, a actividade de avaliar, ajuizar, criticar gera imediato sobressalto e subsequente desconforto.
O discurso científico despreza-o. O discurso jornalístico desconfia dele, confiante na máxima de Vincente Huidobro, de que «o adjectivo, quando não dá vida, mata».
É por isso que, quando, aqui e ali, os adjectivos euforizantes despontam, o texto adquire especial sabor:
«O Parlamento francês reforçou os limites impostos às remunerações dos gestores de empresas ajudadas pelo Estado (...) na sequência de escândalos retumbantes» (Lusa, 09/04/09).
«A formação catalã (...) foi claramente superior, face a um arranque demolidor» (Lusa, 09/04/09).
«A equipa catalã deu uma impressionante demonstração de força e obteve um triunfo robusto» (Lusa, 22/04/09).
Aliás, o que seria do futebolês sem o adjectivo?
N. E. – A afirmação contida no título (entre parêntesis) é um tema sobre o qual existe outra sustentação teórica diferente. É o caso desta resposta: «Vivam os Açores!»
artigo publicado no semanário Sol, na rubrica Ver como se diz, de 2 de Maio de 2009