O nome português tradicional da capital do estado indiano de Maharashtra é Bombaim. É a forma registada por Rebelo Gonçalves no Vocabulário da Língua Portuguesa, publicado em 1966 e ainda hoje a principal referência para a fixação da grafia de cada palavra dentro das regras e princípios do Acordo Ortográfico de 1945. Mas a história deste topónimo é mais antiga e, como se procurará aqui mostrar, parece estar estreitamente ligada à forma Mumbai, que na Índia e no mundo de língua inglesa passou a ser o nome oficial dessa cidade indiana.
Na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, diz-se que «o nome da ilha e cidade de Bombaim deriva de Mumba, a deusa dos colis, povo de lavradores e pescadores que foram os seus mais antigos habitantes, e que teriam ocupado a ilha talvez por volta dos princípios da era cristã». José Pedro Machado reforça esta informação no seu Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, explicando que no português do século XVI havia duas formas em variação — "Mombaim" e Bombaim. Afirma aquele estudioso que num documento português de 1525 se lê «ilha de Mombayn» e que Garcia de Orta (1563) fala da terra e ilha de"Mombaim". Recuando um pouco mais no tempo, assinala que no Livro em que dá relação do que viu e ouviu no Oriente Duarte Barbosa, datável de 1516, se encontra uma forma «mais próxima da origem», Benamajambu, que «está por Tena-maiambu». Para Machado, «este maiambu parece corresponder, com naturais alterações, a Mumba-Devi, "a deusa Mumba" [...]». Se a relação proposta entre maiambu e Mumba-Devi é discutível, já o mesmo não acontece entre Mumba-Devi e o português quinhentista Mombaim: a semelhança fónica e morfológica não existe por mera coincidência, porque, não sendo Mombaim topónimo trazido de Portugal nem substantivo comum do português do século XVI, o que se torna plausível é essa variante ter aparecido como adaptação de Mumba-Devi ou de sequência foneticamente próxima. Bombaim, por seu lado, é forma também atestada no século XVI, por exemplo, nas Lendas da Índia de Gaspar Correia e no Primeiro Roteiro de D. João de Castro, bem como usada por João de Barros nas Décadas, onde se escreve que há: «... hum pequeno rio chamado Bate que say na baya de Bombaim». Sendo assim, Mombaim e Bombaim aparecem como variantes da mesma palavra, sugestão reforçada pela possibilidade de alternância entre m- e b- iniciais, no plano da variação dialectal e diacrónica: por exemplo, a palavra boneca surge documentada como moneca no século XIV (ver Dicionário Houaiss).
Relativamente ao inglês Bombay, Machado observa que é uma adaptação de Bombaim, que os ingleses erradamente interpretaram como nome alusivo à baía (bay, em inglês) sobre a qual a cidade se desenvolveu. Cabe ainda assinalar que, na 15.ª edição da Encyclopaedia Britannica, o artigo sobre Bombaim corrobora as fontes antes citadas: o nome inglês Bombay é a adaptação de Bombaim, por sua vez adaptação (ou "corrupção", se quisermos) de Mumba-Devi ao português do século XVI.
Finalmente, Mumbai é o nome que se dá em marata1 à cidade em causa. Essa forma deriva de Mumba, nome da deusa já referida, conforme se expõe em "The Politics of Names Changing in India", disponível na Internet em http://www.ocf.berkeley.edu/~easwaran/papers/india.html.2 Também neste artigo se explica que, na década de 90, a forma Mumbai substituiu o nome Bombay em inglês, na sequência de um processo político tendente a recuperar ou preferir os nomes de lugar nos vernáculos regionais da União Indiana. Tais nomes podem ter etimologia diferente da dos oficialmente usados no período colonial e nas primeiras décadas de independência da União Indiana; deste modo se percebe que a cidade de Madrasta, no estado de Tamil Nadu (Sul da Índia), tenha passado a ser conhecida como Chennai, a partir de 1996 (idem). Mas alguns desses nomes mantêm ou alteram foneticamente formas mais antigas, que estão também na origem dos nomes de cidade utilizados nas diferentes línguas ocidentais colonizadoras, como o português e o inglês. Afigura-se ser este o caso de Mumbai, que tem, como se viu, grande probabilidade de representar o mesmo nome aportuguesado como Bombaim.
Entende-se que se queira respeitar o mencionado processo de vernaculização nos muitos países onde se fala inglês, já que é possível ligar a expansão desta língua na União Indiana ao choque de poderes exteriores (globais ou centrais) com os interesses políticos locais ou federais (a União Indiana é um Estado federal). Aceitar o nome marata Mumbai é, portanto, reconhecer o peso das forças políticas que estão à frente do estado de Maharashtra. No entanto, é difícil compreender o papel dos falantes portugueses em tal contexto, mais a mais porque, quando proferem a palavra Bombaim, estão apenas a usar uma forma cuja configuração testemunha um caso particular de contacto linguístico e cultural no quadro da expansão e colonização europeias. Pelo menos desta vez, não se pode dizer que tenha havido a supressão do nome original: a variante quinhentista Mombaim indica que não se criou um novo nome na língua do colonizador, tão-só o aportuguesamento de uma designação já existente.
Nesta perspectiva, Bombaim é afinal uma forma divergente do nome marata da capital de Maharashtra. Ou seja, empregar Mumbai em português pode resultar tão estranho como dizer London em lugar de Londres.
1 O marata é «língua indo-europeia, do ramo indo-irânico, sub-ramo indo-árico, falada no Oeste e no Centro da Índia, esp. no Estado de Maharashtra, por aprox. 50 milhões de pessoas [É uma das línguas oficiais da Índia.]» (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa).
2 O artigo tem algumas imprecisões etimológicas, já que aceita como verdadeira a origem de Bombay em "Bom Bahia", expressão que mostra claramente um erro de concordância, mesmo no português quinhentista — a não ser que se trate de uso local de indivíduos que, nessa época, estavam em contacto com o português. Há quem avente a hipótese de um diminutivo "baim", mas este não está atestado. Mais uma vez, a variante Mombaim permite argumentar a favor da origem hindustânica do nome português.