O Acordo Ortográfico, era óbvio, seria uma das questões mais importantes na visita do Presidente da República [português] ao Brasil, a convite de Lula da Silva.
Cavaco Silva sugeriu isso mesmo na mensagem proferida antes da partida. Também o propósito do convite dirigido a Cavaco pelo chefe de Estado brasileiro, encerra, de alguma forma, esta mesma preocupação — a partilha da história comum, na comemoração dos 200 anos da chegada ao Brasil da corte de D. João VI. Por fim, o ministro da Cultura [português], José António Pinto Ribeiro, integrado na comitiva presidencial, acabaria por reconhecer que, nesta matéria, se perdeu tempo de mais.
Poucas horas antes de Cavaco Silva aterrar no Aeroporto António Carlos Jobim, no Rio de Janeiro, o Governo [português] decidia em Conselho de Ministros aprovar a ratificação do Acordo Ortográfico que, segundo o ministro, não ficará sujeita a moratória, como defendia a sua antecessora Isabel Pires de Lima, mas apenas um prazo de seis anos para que o acordo seja aplicado em toda a sua plenitude. Pinto Ribeiro assumiu esta decisão como «o primeiro passo» para a ratificação do Acordo Ortográfico, mas Cavaco lembrou que foi num Governo liderado por si que se deu o primeiro passo para a uniformização da língua falada e escrita pelos povos lusófonos.
O embaraço para o ministro nesta reivindicação do PR, quanto ao protagonismo no processo que conduziu ao acordo ortográfico, revela uma outra realidade: a concertação de posições entre Belém e o Governo em vários eixos da política portuguesa parece por demais evidente e o próprio ministro o confirmou na declaração que proferiu na quinta-feira a propósito do Acordo Ortográfico, a primeira que fez após a tomada de posse: «A vinda do senhor Presidente da República ao Brasil foi um momento também escolhido. Ele próprio declarou antes de partir que um dos objectivos era desenvolver uma política baseada na língua portuguesa, e nós devemos conjugar esforços.» Porém, fica a ideia que, neste particular, é a dinâmica da Presidência que vem marcando a agenda da política do Governo. E, quando assim é, o pragmatismo do PR colhe, naturalmente, o mérito das iniciativas.
Na mensagem do chefe de Estado, gravada no sítio da Presidência da República, Cavaco Silva afirmava ter uma ideia «firme» nesta sua visita ao Brasil a convite do presidente brasileiro, Lula da Silva. Dizia Cavaco Silva que «a maior forma de valorizarmos o passado é fazer dele uma inspiração para um projecto futuro». Um projecto «de reforço das relações bilaterais» na defesa de «interesses como a língua portuguesa».
De resto, são muitas as referências na agenda da viagem à necessidade de colocar a Língua como instrumento fundamental no relacionamento com o Brasil. Desde o concerto da portuguesa Teresa Salgueiro — na noite da chegada ao Rio de Janeiro —, em que foram interpretados temas de Jobim, Vinicius, Chico Buarque e outros autores brasileiros, até ao almoço oferecido amanhã pelo PR à comunidade portuguesa e luso-brasileira.
A actriz brasileira Fernanda Montenegro, presente no concerto do Teatro Municipal, metaforicamente fez o balanço da relação entre os dois países e sintetizou a importância do acordo ortográfico neste contexto: «Temos de nos agarrar a tudo o que podemos.»
Notícia do semanário Expresso de 8 de Março de 2008