Em Portugal, recrudesce a contestação ao Acordo Ortográfico, na sequência da decisão de adiar a sua obrigatoriedade no Brasil, acontecimento já aqui amplamente noticiado e comentado (porque, na verdade, o que o governo brasileiro decretou foi um prolongamento do período de transição, e não uma suspensão):
— Na Assembleia da República, a Comissão Parlamentar de Educação, Ciência e Cultura aprovou por unanimidade a constituição de um Grupo de Trabalho para Acompanhamento da Aplicação do Acordo Ortográfico, conforme proposta de Miguel Tiago, deputado do Partido Comunista Português. Este grupo tem por objetivo ouvir diferentes personalidades, uma vez que, como diz o deputado português, «[não se pode] ignorar a justeza de algumas críticas e as resistências de elementos dos meios académico e artístico». Prevê-se que, no final da sessão legislativa, em junho ou julho, seja apresentado um relatório.
— A Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) declarou que vai «continuar a utilizar a norma ortográfica antiga nos documentos e comunicação escrita com o exterior», visto que a aplicação do Acordo Ortográfico ainda não foi convenientemente resolvida, «sobretudo depois de o Brasil ter adiado para 2016 uma decisão final sobre o Acordo Ortográfico, e de Angola ter assumido publicamente uma posição contra a entrada em vigor».
— Carlos Reis, professor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e defensor do AO, em declarações ao jornal Público (10 janeiro), acusa a SPA de «andar atrás de lebres mal informadas ou tendenciosas», porque «o Brasil não adiou uma decisão final sobre o AO, o que fez foi prolongar por mais algum tempo o período de transição até à sua aplicação obrigatória [em 2016]». Carlos Reis frisa ainda que «que o AO foi já generalizadamente adoptado no Brasil, sem dramas nem histerias». E dá como exemplo o recente anúncio de o Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, se preparar para ajustar às novas regras os textos da comunicação da sua exposição permanente Linha do Tempo da Língua Portuguesa.
— Helena Buescu, professora universitária da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL) e coautora de Metas Curriculares de Português para o ensino básico, considera que «[...] este adiamento sublinha a bondade das críticas feitas ao “Acordo”, mostrando que nem em Portugal nem no Brasil (nem nos outros países lusófonos, que mostraram grandes reticências, sendo que Angola ainda não o ratificou) ele conseguiu um consenso mínimo em termos científicos» (artigo publicado no jornal Público em 8 de janeiro). Vasco Graça Moura reforça este argumento, afirmando que «[...] não faz qualquer sentido aplicar-se uma "reforma" que se tornou substantivamente inaplicável e cujos objectivos e pressupostos se evaporaram na prática com o adiamento brasileiro» (no Diário de Notícias de 9 de janeiro). E Maria Alzira Seixo, outra conhecida professora da FLUL, remata: «[...] se isto acontece, não há mais razão para Portugal continuar vergado ao torcilhão que já está sofrendo a sua Língua Pátria, com uma utilização abusiva nas escolas, em publicações, nos documentos do Estado.» (Público, 10 de janeiro). Finalmente, uma carta, com 200 subscritores e enviada ao Ministério da Educação e Ciência com o objetivo de revogar o AO, vem «conclamar [o ministro Nuno Crato] a uma tomada de posição sobre uma matéria que é fulcral para a identidade portuguesa: a língua».