Quando se aceita ou contesta a norma, observa-se muitas vezes que o erro de hoje há de ser forma correta amanhã. Do Brasil, onde supostamente a língua tem sido mais inovadora, chega-nos uma reflexão muito interessante do linguista Aldo Bizzocchi, que, na revista Língua Brasileira, foca o contributo, para a mudança linguística, do chamado cacoete, isto é, «gesto, trejeito ou hábito corporal feio» e, por especialização semântica, «palavra, expressão ou recurso estilístico, expressivo, empregado com exagero por usuário da língua, mais pela força do hábito do que pela necessidade» (Dicionário Houaiss). Analisando a moda brasileira de reforçar o sujeito («Pedrinho ele foi à escola»), Bizzocchi assinala que «antigos cacoetes [foram introduzidos], ou pelo menos disseminados, por falantes de uma certa influência social, contaminaram a maioria dos falantes séculos atrás e, de tão arraigados na fala coloquial, ascenderam à categoria de leis gramaticais, tornando-se, portanto, de uso obrigatório».
Outros fenómenos existem, que evidenciam um gosto surpreendente por formas irregulares, contrariando princípios de simplificação. Por exemplo, assiste-se cada vez mais, nos dois lados do Atlântico, ao uso de formas verbais compostas em que o auxiliar ter se associa a particípios passados irregulares («tem pego», «tinha morto»), em vez de formas regulares («tem pegado», «tem matado»). Que faz a norma com esta tendência? A resposta encontra-se no consultório, que ainda dedica espaço à grafia de «fim de semana», ao neologismo incendiarismo e à sintaxe do verbo prevenir.
Ficam entretanto em linha, também, dois recentes textos do professor e jornalista angolano Edno Pimentel: o primeiro, sobre o sentido de «presente» que se se quer receber quando, em Luanda, se pedem as boas-festas (com hífen); e o segundo sobre o uso popular da locução conjuncional temporal antes que, em construção negativa expletiva... não tão errada como parece.
O escritor português Mário de Carvalho é o entrevistado do programa Língua de Todos, a propósito do seu mais recente livro à volta da escrita criativa, Quem disser o contrário é porque tem razão (sexta-feira, 23 de janeiro, às 13h30*, na RDP África, com repetição em 24/01, às 9h10*). Já o programa Páginas de Português (domingo, 25/01, às 17h00, na Antena 2) tem como tema principal um estudo universitário recentemente publicado que conclui que a «influência de uma língua se mede pela capacidade de ligar línguas distantes (nem o número de falantes, nem a riqueza económica são o que mais condiciona a influência de uma dada língua a nível global)». Dele falará um dos seus autores, o professor Bruno Gonçalves, da Universidade Aix-Marseille.
* Hora oficial de Portugal continental, ficando também disponível via Internet, nos endereços de ambos os programas.
No contexto dos projetos que desenvolvem, de apoio ao ensino e à aprendizagem do português (língua materna e não materna), a Ciberescola da Língua Portuguesa e os Cibercursos produzem materiais didáticos a que alunos e professores têm acesso gratuito. Mais informações – incluindo pormenores sobre cursos individuais para estudantes estrangeiros (Portuguese as a Foreign Language) – no Facebook e na rubrica Ensino.
O apelo SOS Ciberdúvidas dirige-se particularmente a quantos reconhecem a relevância deste serviço – nos seus moldes, único em todo o espaço da lusofonia – de divulgação, esclarecimento e debate de temas da língua portuguesa, na sua diversidade histórica e geográfica. O nosso obrigado pelos donativos, que podem chegar-nos conforme as instruções indicadas aqui.