O fascínio exercido pela chamada "língua do povo" sobre os filólogos e lexicógrafos do século XIX e da primeira metade do século XX (por vezes, com alguma idealização romântica) levou-os a registá-la sistematicamente em publicações como a Revista Lusitana. Contudo, ainda hoje no discurso coloquial afloram expressões que, por qualquer razão, não se acham nos dicionários gerais. É o caso de magorreiro, com o significado de «amável, ternurento»: donde virá esta palavra? A resposta fica em aberto nesta atualização, agradecendo nós, desde já, a colaboração de quantos nos leem. Também no consultório, falamos da origem do barlavento, procuramos contrastar conservação com manutenção e comentamos «qualquer coisa de complexo».
Causou surpresa a linguagem popular e o recurso a um provérbio tradicional no acórdão dos juízes do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) sobre o pedido de libertação do antigo primeiro-ministro José Sócrates, que se encontra detido em prisão preventiva. Na fundamentação da sua rejeição, citou-se que «quem cabritos vende e cabras não tem, de algum lado lhe vem»1. Não quis o TRL ir mais além na exploração do adagiário português alusivo às cabras e às suas crias, mas o elenco é vasto, como mostra o portal Provérbios Portugueses e Brasileiros; alguns exemplos, na maior parte, variações do provérbio em causa: «Quem cabra há, bem pagará»; «Quem cabras não tem, cabritos vende, donde lhe vêm não se entende»; «Quem cabras não tem e cabritos vende, de algum lugar lhe vêm»; «Quem cabras não tem e cabritos vende, de alguma parte lhe vêm»; «Quem cabras não tem e cabritos vende, de algures lhe vêm»; «Quem cabras não tem e cabritos vende, donde lhe vêm?»; «Quem cabras tem, cabritos vende»; «Quem cabritos vende e cabras não tem, de alguma parte lhe vêm»; «Quem cabritos vende e cabras não tem, de algures lhe vêm»; «Quem cabritos vende e cabras não tem, donde lhe vêm?».
1 Com o mesmo sentido, mas numa formulação algo diferente regista-se também em O Grande Livro dos Provérbios, de José Pedro Machado: «Quem cabritos vende e cabras não tem, d’algures (dalguma parte), de algum lado lhe vêm (vem).» Ou: «Quem cabritos vende e cabras não tem, donde lhe vem?».
Um caso de (mau) uso vocabular na comunicação social portuguesa. Na Antena 1, num apontamento de reportagem, a propósito de quem observava, na Faculdade de Ciências de Lisboa, o eclipse do Sol ocorrido na manhã deste dia, ouve-se a frase: «Uma "parafernália" de gente encontra-se aqui.» Recordamos que o vocábulo parafernália se refere a um conjunto de coisas, não a pessoas.
«No alargado espaço que hoje ocupa, a língua portuguesa não tem centro oficial. Mas isso não quer dizer que ela deva navegar ao acaso, sem rumo nem regulação que se veja [...].» Foi uma das várias considerações que Carlos Reis, professor catedrático da Universidade de Coimbra, fez em maio de 2014, em comunicação ao II Congresso Internacional "Pelos mares da língua portuguesa", Departamento de Línguas e Culturas da Universidade de Aveiro. O texto, intitulado Espaços da Língua Portuguesa ou os Perigos da Imagináutica, pode agora ser lido aqui.
Lembramos ainda o que já aqui foi anunciado sobre os temas da presente semana dos programas de rádio produzidos pelo Ciberdúvidas: Língua de Todos, na sexta-feira, 20 de março (às 13h30*, na RDP África; com repetição 21/03, às 9h10*), e Páginas de Português , no domingo, 22 de março (às 17h00*, na Antena 2).
* Hora oficial de Portugal continental, ficando também disponível via Internet, nos endereços de ambos os programas.
A Ciberescola da Língua Portuguesa e os Cibercursos produzem recursos didáticos para o ensino do português (como língua materna e língua não materna) e promovem cursos individuais para alunos estrangeiros (Portuguese as a Foreign Language). Informações no Facebook e na rubrica Ensino.