DÚVIDAS

Tradução da ordem de palavras latina

Tenho uma curiosidade quanto a uma frase em latim.

Vi no Dicionário da Língua Portuguesa, 6.ª edição, Dicionários Editora, da Porto Editora, a seguinte frase: «vincit omnia veritas» (loc. lat. cf. Cícero, de Or.3, 215), «a verdade vence tudo».

Numa pesquisa mais completa, descobri que a mesma frase pode ser aplicada ao amor (o amor vence tudo), no entanto, quando a isso se aplica a construção frásica é alterada para «Amor vincit omnia.»

Também descobri a mesma frase, mas escrita nesta forma: «Veritas vincit omnia» ou até «Omnia vincit veritas». Gostaria de saber, se possível, qual é a sua forma correcta.

Resposta

Em primeiro lugar, importa referir que enferma de erro o Dicionário da Língua Portuguesa referido pelo consulente. De facto, na obra e no trecho indicados (De oratore 3, 215), Cícero não escreveu vincit omnia veritas («a verdade supera tudo») mas in omni re vincit imitationem veritas («a verdade supera o fingimento em qualquer circunstância»).

No entanto, a frase citada pelo consulente era um ditado muito frequente em latim, que corria nas seguintes variantes:

Veritas omnia vincit («A verdade tudo supera»)

Vincit omnia veritas («Supera tudo a verdade»)

Omnia vincit veritas («Tudo supera a verdade»)

 A segunda variante foi adotada como mote pela Augusta State University (Jórgia, Estados Unidos), que em 2012 se fundiu com a Georgia Regents University.

 A propósito da terceira variante, refira-se a ambiguidade da versão portuguesa apresentada, pois só o contexto poderá indicar se a verdade supera tudo ou é superada por tudo, ao passo que o original latino é perfeitamente claro, já que o substantivo veritas, por se encontrar no caso nominativo, funciona inequivocamente como sujeito da proposição.

 São também perfeitamente possíveis e integralmente corretas as seguintes variantes, apesar de não as ter encontrado dicionarizadas:

 Veritas vincit omnia («A verdade supera tudo»).

Vincit veritas omnia («Supera a verdade tudo»).

Omnia veritas vincit («Tudo a verdade supera»).

 As traduções portuguesas apresentadas respeitam a ordem dos vocábulos do original, pelo que poderão, em certos casos, parecer algo arrevesadas. Na verdade, o facto de os vocábulos latinos apresentarem formas diferentes consoante a função sintática que desempenham, ao contrário do que sucede em português (exceto no caso dos pronomes pessoais), torna a língua de Cícero extremamente flexível e moldável.

 Apesar de as variantes referidas apresentarem todas elas a mesma ideia fundamental, não é indiferente a forma como ordenamos as palavras no seio da frase. Por exemplo, quando dizemos veritas omnia vincit, realçamos a verdade como agente de superação; quando enunciamos vincit omnia veritas, destacamos a sua capacidade de superação; quando exprimimos omnia vincit veritas, sublinhamos a pluralidade de obstáculos superados.

 Quanto ao amor, encontramos um pensamento semelhante saído da pena de Virgílio (Écloga X, 69): Omnia vincit amor. Embora Virgílio tenha escrito assim, poderíamos considerar, à semelhança do caso anterior, as seguintes seis variantes, todas elas plausíveis e corretas:

 Amor vincit omnia («O amor supera tudo»).

Amor omnia vincit («O amor tudo supera»).

Omnia vincit amor («Tudo supera o amor»).

Omnia amor vincit («Tudo o amor supera»).

Vincit amor omnia («Supera o amor tudo»).

Vincit omnia amor («Supera tudo o amor»).

 Em relação a estas variantes, são obviamente válidas todas as considerações tecidas anteriormente.

 Para terminar, e porque estamos em maré de verdade, refira-se a importância que este conceito assumia entre os romanos, a julgar pela profusão, neste Dicionário de Expressões e Frases Latinas, de ditados em que entra o termo veritas. E nem sequer estão lá todos, a bem da verdade...

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