Há, de facto, contradição no texto do Acordo Ortográfico (AO).
O que se lê na íntegra, na Base XIX, 1, f) do AO a respeito da minúscula inicial, é isto:
«1. A letra minúscula é usada [...] f) Nos axiónimos/axiônimos e hagiónimos/hagiônimos (opcionalmente, neste caso, também com maiúscula): senhor doutor Joaquim da Silva, bacharel Mário Abrantes, o cardeal Bembo; santa Filomena (ou Santa Filomena).»
Ou seja, parece que é obrigatório usar minúscula inicial em axiónimos, mas não nos hagiónimos.
Este preceito choca com o que se diz mais adiante no AO [Base XIX, 2, i)], uma vez que um axiónimo é uma palavra ou uma expressão usada reverencialmente:
«i) Opcionalmente, em palavras usadas reverencialmente, aulicamente ou hierarquicamente, em início de versos, em categorizações de logradouros públicos: (rua ou Rua da Liberdade, largo ou Largo dos Leões), de templos (igreja ou Igreja do Bonfim, templo ou Templo do Apostolado Positivista), de edifícios (palácio ou Palácio da Cultura, edifício ou Edifício Azevedo Cunha).»
Dado que os axiónimos podem ser de facto palavras usadas reverencialmente, tudo isto significa, portanto, que os exemplos incluídos no AO — senhor doutor Joaquim da Silva, bacharel Mário Abrantes, o cardeal Bembo —, que são axiónimos, podem afinal ter maiúscula inicial no termo designativo do título atribuído («senhor doutor, bacharel, cardeal») se as circunstâncias de comunicação impuserem um tratamento mais cortês ou reverencial. Trata-se de um aspeto a corrigir em futuras revisões do AO ou no processo da sua aplicação.
Obs.: Refira-se que nos critérios de aplicação do Acordo Ortográfico no Vocabulário Ortográfico do Português (ILTEC) se diz que é obrigatória a minúscula inicial unicamente nos nomes dos meses, das estações do ano e nas palavras fulano, sicrano e beltrano. Não seria de esperar, contudo, que esses critérios contemplassem os axiónimos, visto que estes são fórmulas de tratamento, que não costumam ser dicionarizadas.