Procurámos a forma “codornilho” entre dicionários recentes e menos recentes, e nada encontrámos. No Grande Dicionário da Língua Portuguesa de José Pedro Machado, regista-se a forma codorno, com duas entradas: «Codorno 1 (ô), s. m. Soneca. || Cochilo. || Espécie de pêro grande. || Variedade de pêra. || Pedaço de pão, tirado da borda, canto do pão. Codorno 2 (ô), s. m. Congelação da humidade do solo. || O m. q. geada.» Estando registada a palavra codorno, poderíamos pensar que “codornilho” é vocábulo dela derivado, uma vez que o sufixo -ilho se inclui entre os sufixos diminutivos (ver Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Edições Sá da Costa, pág. 92). Esta hipótese defronta-se, porém, com dificuldades consideráveis. Por um lado, os diminutivos em -ilho (pecado > pecadilho; tropa > tropilha; farrapo > farrapilha), além de pouco produtivos em português, são normalmente de origem castelhana e constituem unidades lexicais autónomas (pecadilho e tropilha, por exemplo, têm entradas próprias nos dicionários consultados). Por outro lado, a maior parte das várias acepções do termo base codorno não faz sentido, quando interpretamos “codornilho” no contexto em apreço («vistosa borla de codornilho azul a uma banda»). Os sentidos de «espécie de pêro grande», «variedade de pêra» e «pedaço de pão, tirado da borda, canto do pão» (Machado, op. cit.) poderiam, no entanto, dar lugar ao uso metafórico de “codornilho” como «pequena pêra» ou «pequeno pedaço de pão», os quais, mesmo assim, não facultam uma leitura claramente coerente. Contudo, a ocorrência da preposição de sugere que estamos em presença de um complemento de matéria. Se se trata de tal complemento, então “codornillo” refere-se ao tecido ou genericamente ao material de que a «borla» foi criada. Seguindo a pista dada pela etimologia castelhana do diminutivo -ilho, deparámos com a palavra “cordoncillo” na versão em linha do Diccionario de la Lengua Española da Real Academia Espanhola com cinco acepções, duas das quais parecem ter relevância para esta discussão: «1. m. Cada una de las listas o rayas estrechas y algo abultadas que forma el tejido en algunas telas, como el rizo, la tercianela, etc. […] 3. m. Cierto bordado lineal.[…]» Em castelhano, “cordoncillo” é, portanto, entre outras coisas, um aspecto da textura de um tecido ou um motivo nele bordado. Apesar de não se referir propriamente a um material, a palavra “cordoncillo”, pela semelhança fonética com a forma em questão, dá maior congruência à frase de Ramalho Ortigão, já que se refere à característica de um material, isto é, um tecido. E se “borla de codornilho” é afinal “borla de cordoncilho”, então talvez o escritor se tenha enganado na forma que pretendia usar. Por conseguinte, é bem possível que Ramalho Ortigão tenha alterado a palavra "cordoncillo" (na procura de um aportuguesamento?): primeiro, deslocando o r da primeira sílaba para a segunda; e, depois, omitindo o c do original castelhano, o que vem a dar "codornillo". Esclareça-se que é difícil saber se, em vez do castelhano, houve aqui intervenção de outra língua, por exemplo, o francês, que era dominante entre as classes cultas portuguesas. Nesta língua, existe uma forma próxima da castelhana, "cordon", mas a presença do sufixo -ilho, cuja origem já referimos, parece excluir tal influência. É, pois, uma mera conjectura, mas propomos assim que a palavra que Ramalho Ortigão queria realmente utilizar era “cordoncilho”, aportuguesamento do castelhano “cordoncillo”, e que “codornilho” seria um erro que a revisão do texto teria deixado escapar. Sendo esta resposta meramente especulativa – e, portanto, provisória –, pode ser que, entre os muitos consulentes do Ciberdúvidas, haja quem tenha uma explicação conclusiva... [Agradeço a colaboração, as pistas e as sugestões de Ana Martins, A. Tavares Louro, Baptista-Bastos, Eunice Marta, José Mário Costa e Maria Regina Rocha]