O leitor Vítor Gonçalves propõe para tratamento nesta crónica a questão da contracção ou não contracção da preposição com o artigo.
É um problema miúdo, pouco visível e, no entanto, revelador do grau do conhecimento (ou sensibilidade) que o falante tem em relação à estrutura da língua.
Todos sabemos que, em português, as preposições se contraem com os artigos: de (do, dum, desse, dele, daqui); em (no, num, nesse, nele); por (per + o = pelo).
Ora, as contracções são opcionais em umas situações e obrigatórias noutras. Posso dizer (como disse) em umas situações ou numas situações; em outras ou noutras — são variações estilísticas que não raro convivem pacificamente na mesma frase.
A não contracção é obrigatória quando a preposição introduz uma oração infinitiva. É mais fácil com os exemplos.
a) «Entristece-me o facto de ele me mentir constantemente.»
b) «Lamentamos o facto de eles não terem recebido o prémio.»
Nos dois exemplos acima, a oração infinitiva está dependente de um nome (facto). Mas ela pode estar dependente de outra oração:
c) «Entristece-me o ele me mentir constantemente.»
d) «Lamentamos o eles não terem recebido o prémio.»
A não contracção anuncia que o que vem a seguir é uma oração e mostra que o falante sabe (ou intui) que há ali uma oração encaixada.
Numa vista de olhos rápida pela imprensa desta semana, encontramos contracções incorrectas:
«…mostram grande preocupação pelo facto dos assassinos não terem ainda sido capturados» ("Correio da Manhã", 11-04-07). Devia estar de os.
«Os especialistas atribuem a proliferação de notas de 500 euros ao facto dos espanhóis preferirem dinheiro…» ("Sol", 9-04-07). Devia estar de os.
«…o gabinete do primeiro-ministro comenta o facto da biografia oficial de José Sócrates incluir já em 1993 a licenciatura em Engenharia…» ("TSF", 10-04-07). Devia estar de a.
Não é um erro grave. Mas é grave persistirem erros fáceis de corrigir.
*Artigo punlicado no Semanário "Sol" de 14 de Abril de 2007