Quando chove em Luanda, o caos no trânsito é o que se descreve nesta crónica do autor, publicada no semanário Nova Gazeta de 19/03/2015: engarrafamentos de 15 quilómetros e a confusão, também, com o dinheiro (não) “destrocado”...
Choveu [em Luanda] e milhares de pessoas ficaram sem as suas casas. Mas de todas as lamúrias que ouvi – com muito choro e cólera à mistura –, nenhuma pessoa se recusava a receber mais uma. «A maka não está nas chuvas».
Tia Ana, por exemplo, entrevistada pela [TPA], contou dos tempos em que vivia no mato. Quando não chovesse, enfrentava o «verdadeiro calvário». Não conseguia plantar batata-doce, jinguba, mandioca... a vida sem chuva no Golungo Alto era «muito difícil».
‘Man Bê’, residente em Viana há mais de 70 anos, não entende por que razão hoje toda a gente se opõe à chuva porque foi ela – “a nvula” – que sempre irrigou as suas lavras na cintura verde de Luanda e conseguiu criar os seus 17 filhos e ainda alimenta 19 netos.
Um dos filhos de ‘Man Bê’ é cobrador de táxi. ‘Das Goias’ carrega a Toyota Hiace na ponte do Alimenta Angola. No dia da última descarga pluviométrica, o engarrafamento era de quase 15 quilómetros. Algumas vendedoras do [mercado] São Paulo não podiam esperar e começavam aí mesmo o negócio, zungando até à cidade.
Muitos alunos caminhavam. Era muita gente nas paragens e tantas outras a caminhar, e os táxis todos abarrotados, mas nenhum deles arredava o pé, ou seja, as rodas do mesmo lugar durante horas.
Ainda assim, houve quem se aproveitasse da situação para aumentar o preço da corrida. «Congolenses de 200, dinheiro “destrocado”», anunciava ‘Das Goias’. «Não tenho troco para dois mil pegado. Dinheiro “destrocado”, por favor!», alertava.
Não é novidade que, às primeiras horas, os taxistas nunca têm troco e, por isso, avisam que os passageiros devem ter «cem-cem» ou «duzentos-duzentos» e «quem tem mil kwanzas pegado não pode subir».
E assim vamos indo. Atrasa-se no serviço, perdem-se entrevistas de emprego, morrem pessoas no engarrafamento, simplesmente porque os cobradores não recebem «dois kwanzas pegado». É um grande prejuízo e isso não está certo.
Os «100-100» que se exigem dos passageiros são, na verdade, notas de 100 kwanzas. Mas não é mais grave que os «dois mil kwanzas pegado», que, na verdade, é a nota de 2000 kwanzas. Compreende-se o que se pretende dizer, mas o ideal é optar por nota de 100, nota de 200 ou de 2000, em vez de 100 pegado, 200 pegado ou 2000 pegado.
Publicado no semanário luandense “Nova Gazeta", no dia 19 de março de 2015, na coluna do autor, Professor Ferrão. Manteve-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico, seguida ainda em Angola.