Em Luanda, nos festejos deste fim-de-ano, não vai ser só o músico Bonga a “xotar” o verbo enxotar. Crónica do autor na sua coluna “Professor Ferrão”, no semanário angolano Nova Gazeta, de 5/11/2013.
Por esta altura do ano, em Dezembro, os jovens [em Angola] organizam-se e fazem as chamadas ‘contribuições’ para festas de fim-de-ano. É uma forma que encontram de quebrar a rotina familiar e de se divertirem como se da última vez se tratasse. Juntam-se em grandes patuscadas que às vezes duram dias com direito a caldos e sopas para «tirar a ressaca».
Quase sempre, todos querem participar. Desenrascam a todo o custo alguns kwanzas para não ficarem de fora. Mesmo os que, por algum motivo, não podem contribuir, procuram forma de entrar por portas travessas.
Como nem todos são distraídos, muitos organizadores acautelam-se e impedem, de modo subtil, que qualquer persona non grata tente penetrar nas suas festas. Claro que nem sempre é possível travar todos os patos. «Mas quando encontramos algum, xotamo-lo sem piedade», diz um organizador.
Para este fim-de-ano, alguns promotores querem fazer diferente. «Vamos trazer alguns cantores que fizeram muito sucesso nos anos 70 e 80. Um deles é o Bonga, para nos encantar com o seu ‘xota a galinha’, embora queiramos mesmo xotar os ‘patos’».
Reparem que Bonga é um músico com grande visibilidade. Canta e encanta. É um dos melhores representantes da música angolana do estrangeiro e muito querido pela forma peculiar de estar na música. Desta vez, poderá ser convidado de uma boda para alegrar os mais velhos, jovens, crianças e algumas famílias no Marçal ‘xotando as galinhas’.
Não consigo precisar hoje quantos mais andam a ‘xotar’, mas posso garantir que Bonga e esses promotores de evento não são os únicos. Em Angola, muitos pais xotam os filhos de casa «porque se comportam mal», muitos professores xotam os alunos da sala de aulas «quando não fazem os deveres» e muitas empresas xotam os funcionários «sem qualquer explicação».
Somos muitos a xotar. Alguns não aceitam em público, mas também o fazem. É verdade que o registo formal aponta para enxotar.
[Outros textos de Edno Pimentel sobre o português em Angola]
In jornal Nova Gazeta, de Luanda, publicado no dia 5 de dezembro de 2013 na coluna do autor, "Professor Ferrão". Manteve-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico, seguida ainda em Angola.