Crónica do jornalista Ferreira Fernandes, à volta de uma palavra recém-entrada no léxico político português. In Diário de Notícias de 11/11/2011.
Com o gosto do Parlamento [português] por discussões que dão sono, almofada entrou no debate político. Miguel Relvas deitou a palavra à discussão e [António José] Seguro repousou nela as esperanças socialistas. Até que (…) Passos Coelho tirou o assunto da cabeceira: «Este Orçamento não tem almofadas.»
Tudo acabará num bocejo, a menos que Seguro, como na abstenção, descubra formas violentas e se queixe por a almofada do Governo o asfixiar. Aí, a política descambaria em fronhas carregadas... Pintando a manta e estendendo o pé para lá do cobertor, íamos encontrar diferenças entre o «não faças nada sem consultar a almofada» e o «quem quiser bom conselheiro consulte o travesseiro».
É certo que há muito o têxtil veste o léxico político – virar a casaca, por exemplo – mas nunca se tinha dedicado tanto à roupa de cama. Com o jeito tão português de complicar, fomos para um artigo do enxoval que pouco esclarece: em vez de debatermos almofadas, já que se trata de Finanças, mais valia falar de maus lençóis. Ainda se fosse Economia, admitia-se que o Álvaro [Santos Pereira] divagasse sobre as tão citadas almofadas: de penas (como metáfora da indústria tradicional), ortopédicas e hipoalergénicas (indústria high-tech) ou de sumaúma (sugerindo parcerias comerciais com os países que o produzem, Brasil e Angola)...
Enfim, se a roupa de cama continuar assim, um padrão tradicional entre os nossos políticos, receio que o Palácio de São Bento se mude para o vale do Ave.
In Diário de Notícias de 11 de novembro de 2011