Há gente que gosta de falar difícil. Alguns por sua cultura bacharelesca e outros pela vivência científica das suas profissões.
Há um soneto famoso na literatura brasileira de autoria de um quase desconhecido poeta, Luiz Lisboa, cujo nome não figura nos compêndios didácticos nem consta nas enciclopédias. O poema tem passado de mão em mão e preservado do esquecimento pelo inusitado dos seus versos. Conheço duas versões e três títulos diferentes. Vamos a eles:
«A uma deuza (sic)» – Luiz Lisboa
«Tu és o quelso do pental ganírio
Saltando as rimpas do fermim calério,
Carpindo as taipas do furor salírio
Nos rúbios calos do pijom sidério.
És a bartólia do bocal empírio.
Que ruge e passa no festim sitério,
Em ticoteios de partano estírio,
Rompendo as gambias do hortomogenério.
Teus lindos olhos tem barlacantes
São camencúrias que carquejam lantes
Nas duras pélias do pegal balônio.
São carmentórios de um carce metálio,
De lúrias peles em que pulsa obálio
Em vertimbáceas do pental perônio.»
Outro:
«Soneto Bestialógico» de Luiz Lisboa:
«Tu és o quelso do pental ganírio
Saltando as rimpas do fermim calério,
Carpido as taipas do furur salírio
Nos rúbios calos do pijón sidério.
És o bartólio no bocal empíreo
Que ruge e passa no festão sitério
Em ticoteio no partano estírio
Rompendo as gambas do hartomogenério
Teus belos olhos, que têm barlacantes,
São camensúrias que carquejam lantes
Nas duras péleas do pegal balônio;
São carmentórios de um carcê metálico
De lúrias peles, em que buza o bálico
Em vertimbáceas do cental perônio».
O terceiro título é «Soneto a uma virgem».
Paparreta de chafranafra
Em 1968, o jornal "Diário de Notícias" do Rio de Janeiro publicou uma carta-aberta que o director do Serviço Nacional de Doenças Mentais (acho que se chamava Lopes Rodrigues ou Lopes Gonçalves, por aí) endereçou ao escritor Gustavo Corção, na qual, entre outros mimos, chamava-o de «Doidarraz escanifrado e mau, moralão cloacino dos estultilóquios regeneradores que a canina facúndia de Quintiliano compele no sadismo incoercível dos maldizentes procelosos, ao duelo hipocondríaco da luta com os moinhos da sua alucinada quixotesca nosocomial dematóide do regicídio inconsciente e de esquizopata da agressão bebefrênica...» e por aí vai.
Eu acho que nesse artigo o remetente não estava a elogiar o escritor. Penso eu...
Petição escalofobética
Isso aí é que é falar difícil. O advogado Edson Canaã, inconformado com a decisão do II Tribunal do Júri do antigo estado da Guanabara – o facto ocorreu em 1973 –, que condenou o seu cliente Hélio Marques da Silva por homicídio culposo, recorreu da sentença num arrazoado (para mim) caótico. Dizia: «O jurado mais inhenho, mais tataranha, mais tatibitate sabe que essa asserção é apodíctica. O ametódico, o arrispidado, o baguari, o beldroegas, o borboró, o bordalengo, o calongo, o farromeiro, o farroqueiro, o tuxuana sabem que a transparência, a limpidez da verdade só aparecem em juízo, pois a busca policial é recoberta de improficiência». E por aí vai.
Defendendo o uso da legítima defesa pelo cliente, diz o causídico mais adiante que a vítima, Sesino Mendonça, agredira o réu e «era camumbembe, safineiro, fameeiro, achinfrinado, gajo e melro», de fama notória na praça. Quanto a Anísia Ribeiro Leite, contra quem o réu também teria disparado sua arma, o advogado a classifica de «xixilada, zoina, zarelha, zabaneira, arruandeira, que vivia sempre a zaranza, em zaragara, turubamba e zanguizarra». E fulminou com a acusação: «Vegetava em tereterê».
Acrescentando que seu cliente caiu em «lúgubre taciturnidade» até à injusta condenação de um júri que se baseou «no intáctil, no intangível, no impalpável», o advogado declara que a decisão está produzindo no mesmo «um fartum enjoativo, provocando anorexia ao próprio anhangá». E acrescenta: «Esse absono e um brático resultado condenatório não poderá perdurar. Por isso mesmo o ora apelante vem pedir fautoria aos adamantinos desembargadores».
No preâmbulo de sua «veemente verrina», o advogado a definiu como uma «petição escalafobética».
Por fás e nefas
Tramita na 36.ª Vara Cível do Rio de Janeiro uma acção de cobrança de dívida que chama a atenção pela extravagância de termos. O autor clama por «abestegados caminhos que não lograrão medrança», argumentando assim: «Despiciendo dizer-se a V. Exa., nobre e culto aguazil de escol, que consoante fulcrado no artigo 259...». E termina pedindo medida urgente, «por fás ou por nefas». Entendeu?