Vasco Graça Moura (VGM) é um polemista de escrita vigorosa e impressiva. Leio-o sempre com gosto, admirando a imagética das crónicas e a intencionalidade da escrita, quantas vezes feita deliberadamente para chocar. O que se torna ainda mais patente quando cruzamos a truculência das suas crónicas, sociais e políticas, com a sensibilidade da sua obra de poeta, tradutor, romancista, ensaísta.
Num texto intitulado A ‘troika’ e a imunodeficiência, publicado no Diário de Notícias de 11 de Maio de 2011, VGM escreve:
«A partir de agora, Portugal sujeita-se a inspecções e verificações periódicas, metódicas e severas, tal como as putas de antigamente, que tinham de circular com um livrete de tarja amarela e de comparecer regularmente à inspecção médica. […] Portugal meretrizou-se pelo Governo que tem tido […]. Hoje, não tem virtude, nem dignidade, nem merece o respeito de ninguém. Faz o trottoir europeu como pode e, numa humilhação sem precedentes, sujeita-se ao que lhe derem.»
Trago este excerto aqui devido àquele verbo, meretrizar, que não está dicionarizado. Foi construído a partir do substantivo meretriz e enquadra-se naquele texto e na língua portuguesa com a normalidade de uma palavra com que há muito lidamos. É ainda curioso verificar como, apesar de já existir, com o mesmo sentido, o verbo meretriciar, com raízes em meretrício, ele não é utilizado, sendo, porventura por intuição morfológica, cunhado um novo onde é inteiramente reconhecível o substantivo de origem e de uso mais comum: meretriz.