Sobre das frases clivadas, um artigo de Ana Martins no Sol.
A língua portuguesa tem, mais até do que outras línguas românicas, várias construções para atribuir foco a um dado constituinte da frase. Veja-se: posso dizer, muito neutralmente, «O Tonico faz asneiras». Porém, se quiser relevar a relação exclusiva Tonico — asneira não é esta a estrutura que eu vou escolher, mas antes uma destas: «Asneiras é o que o Tonico faz»; «Asneiras, é isso o que o Tonico faz»; «É asneiras o que o Tonico faz»; «O Tonico faz é asneiras», etc. Em sintaxe, chama-se a isto «frases clivadas»: o verbo ser (+ que ou o/aquilo/isso que) opera na frase uma clivagem, ou seja, uma separação entre a informação de alto relevo e a informação de baixo relevo.
Um traço característico destas frases clivadas está em negar ou corrigir algo que foi dito. Ora, o discurso de campanha não era nada sem as frases clivadas: são elas que nos permitem assistir a um perfeito diálogo entre os candidatos, só que com cada fala em diferido:
«O dirigente socialista Augusto Santos Silva acusou hoje a líder do PSD, Manuela Ferreira Leite, de pretender passar "um cheque em branco" aos portugueses, "escondendo" o teor do programa eleitoral do seu partido.» (Lusa, 21/07/09). Resposta: «Fazer-se muitas promessas, escrever-se muito, fazerem-se grandes propostas, é exactamente isso o cheque em branco"» (Manuela Ferreira Leite, in JN, 22/07/09).
«A líder social-democrata acenou com a ingovernabilidade em que pode mergulhar o país se os portugueses dispersarem o seu voto e não o concentrarem no PSD.» (Público, 21/09/09). Resposta: «O voto útil no PSD é que é uma irresponsabilidade» (Nuno Melo, in TVi24, 20/09/09).
No dize-tu-direi-eu da campanha, quem conseguir responder por último responde sempre melhor, porque, se o outro voltar à carga naquele tópico, não mais faz do que abrir uma discussão infantil.