Porque é que o texto narrativo é um texto de eleição — no ensino e no linguajar comum? Uma reflexão de Ana Martins no semanário Sol.
O leitor já reparou na quantidade de expressões fixas que envolvem a palavra história? História pode significar um discurso persuasivo com finalidades obscuras — «não me venham com histórias»; «não caio nessa história» — e pode até ser sinónimo de léria, treta, balela — «o resto são histórias», ou simplesmente «eh… histórias!».
Claro que também há aquelas expressões em que história é, naturalmente, sinónimo de narração: «não ficar para contar a história», «isso não tem história», «história de vida», «como é que ficou aquela história…?».
Atendendo a esta insistência, parece que sempre que falamos, fazemo-lo no "formato" de uma história…
Mas o que é que o contar uma história tem de especial em relação a outros modos de organizar as ideias num texto (oral ou escrito); por exemplo, em relação a fazer uma exposição, uma descrição, um relato? Uma história não é uma simples sucessão de acontecimentos, mas uma organização específica de acções distribuídas por uma preparação, uma culminação e uma consequência. Agentes, objectos, meios e circunstâncias correspondem-se e desenham um esquema transformacional que não é mais do que uma matriz para a compreensão da experiência humana. A narrativa realiza uma alquimia fundamental que é a de transformar o casual, o heterogéneo, o acidental num desfiar de causas e efeitos que, quer acabe bem, quer acabe mal, faz sentido. Não é por acaso que o acto de contar é um comportamento verbal universal, comum a todas as línguas e povos.
E mesmo quando um estado de coisas dificilmente cabe numa configuração narrativa, ele é reportado como se de uma história se tratasse. Veja-se o caso da avaliação dos professores.
«O "braço de ferro" entre os professores e o Ministério da Educação conheceu um novo episódio no sábado com mais uma manifestação em Lisboa» (Público, 17-11-08).
«O desenlace da presente situação depende exclusivamente da vontade dos professores» (Comunicado dos professores da escola secundária da Amora (13/03/08).
É sempre a mesma história, ou desta vez a história é diferente?
Artigo publicado no semanário Sol de 22 de Novembro de 2008, na coluna Ver como Se Diz.