A pronúncia de gratuito e de período. E porque é que Madail – tal como Raul ou Saul, juiz ou raiz – não têm acento? Tema da crónica de Maria Regina Rocha, no "Diário do Alentejo" de 4 de Julho de 2008.
Não há dúvidas acerca da forma como se escreve a palavra gratuito: sem acento. No entanto, ouve-se por vezes, na rádio e na televisão, essa palavra pronunciada como se tivesse um acento no "i" (*gra-tu-í-to). Ora esta pronúncia é incorrecta, pois a palavra apenas tem três sílabas, contendo a penúltima o ditongo "ui": gra-tui-to. Assim, deverá pronunciar-se "tui", e não "tu-í". É uma pronúncia análoga à das palavras circuito, fortuito e intuito.
Quanto à palavra período, constantemente utilizada nos mais diversos contextos, ela é acentuada na vogal "i", devendo, pois, a pronúncia corresponder a essa acentuação, rejeitando-se aquela que acentua o fonema que se segue (*pe-ri-ú-do).
Madail, Raul, juiz, raiz e outras em que aparece o "i" ou o "u" depois de vogal são palavras em que se nota hesitação na grafia. Por vezes aparecem com acento, outras vezes, não. Qual é a regra? Há regras a seguir?
Há regras a seguir, sim. Comecemos por Madail: esta palavra não tem acento, tal como Raul e Saul. É natural a confusão, pois há duas situações a respeito da acentuação das vogais "i" e "u" quando precedidas de vogal que com elas não forma ditongo.
Em geral, têm acento gráfico as vogais "i" e "u" em posição tónica quando precedidas de vogal que com elas não forma ditongo. Exemplos: aí, baía, caí, caís (diferente do presente do indicativo cai e do substantivo cais, pois nestas duas palavras a vogal "i" forma ditongo com a anterior), caído, destruído, heroína, juízo, paraíso, raízes, saída, alaúde, baú, saúde, graúdo, faúlha, peúga, viúva.
No entanto, esse "i" (ou esse "u") deixa de ser acentuado quando é seguido de consoante diferente de -s que com ele forma sílaba, ou seguido do grupo consonântico -nh-. Exemplos: Madail, Vermoil, amendoim, Bombaim, cair, incluir, juiz, raiz, Raul, Saul, bainha, fuinha, moinho, picuinha, rainha, tainha.
Da regra anterior se conclui que o "i" é acentuado quando seguido de -s que com ele forma sílaba. Exemplos: altruísta, faísca, judaísmo, país.
Assim, temos, por exemplo, juiz e raiz, palavras não acentuadas graficamente, porque o "i" faz sílaba com a consoante "z", mas juíza, juízes e raízes, palavras acentuadas graficamente, porque o "i" constitui sozinho uma sílaba, já que a consoante "z" passou a fazer parte da sílaba seguinte (-za, -zes). E escreve-se judaísmo com acento, mas judaizar sem acento, porque no primeiro caso o "i" faz sílaba com o "s" que se segue e no segundo constitui sozinho uma sílaba.
E, como já chegará de regras de acentuação por hoje, termino com uma curiosidade a respeito da palavra período. Provém do grego e significava "caminho em volta de", estando, pois, relacionada, por exemplo, com as palavras perímetro, périplo, periscópio e periferia. Desse significado primeiro de «caminho em volta de» passou ao de «muralha», «circuito (de muro ou muralha, de lago, etc.)», «acto de andar em redor de» e, daí, «volta periódica», «periodicidade do tempo», «período de tempo».
in "Diário do Alentejo" de 4 de Julho de 2008, na coluna da autora intitulada "A vez ao… Português"