Texto saído na secção Cartas ao Director do jornal Público de 21 de Junho de 2009, sobre os exames nacionais de Português do 10.º e do 12.º ano do ensino secundário em Portugal.
Como é do conhecimento geral, os jovens prestes a terminar o ensino secundário [em Portugal] sujeitam-se, nesta época, a alguns exames nacionais. Trata-se só de alguns exames, que não para todos os alunos.
Sujeitam-se necessariamente a exame nacional às disciplinas específicas constitutivas de condição necessária para o ingresso no ensino superior, conforme o curso desejado, aqueles que pretendem frequentar aquele nível de ensino e se encontram abrangidos pelo sistema educativo. Porém, os maiores de 23 anos podem usufruir de regime específico consignado em diploma legal.
Também se submetem a exame nacional, para conclusão de algumas disciplinas do ensino secundário, os alunos dos cursos gerais, que não os dos cursos tecnológicos ou os dos cursos profissionais. Estão neste caso a disciplina de Português, da formação geral, a disciplina trienal, da formação específica, e a disciplina bienal tida como estruturante, também da formação específica. Podem ainda candidatar-se a exame nacional os alunos autopropostos que delas precisem para concluir o ensino secundário. Para as disciplinas que não são objecto de exame nacional, as escolas elaboram provas de exame próprias ou equivalentes à frequência ou a nível de escola equivalentes a exames nacionais.
Segundo os alunos que acedem à televisão, as provas são mais fáceis que os testes que os professores organizam na frequência. No entanto, os resultados habitualmente contradizem essas primeiras e públicas impressões, ficando desacreditados os propaladores do facilitismo atribuído ao Ministério da Educação, que é demasiado verdadeiro, em meu entender, no atinente a todo o ensino básico em cujo termo todos os alunos são submetidos a exame nacional de Língua Portuguesa e de Matemática. O facilitismo no ensino secundário verifica-se mais noutras vertentes e vem usualmente de corifeus "adesivados" ao pretenso sentir e mandar dos governos da República. E tomaram-se medidas legislativas e administrativas para obviar ao insucesso nalgumas disciplinas, alargando critérios e criando testes intermédios, que foram saudados enquanto facilitadores, mas criticados por excessivos em número, demasiado controladores, realizados em dias iguais da semana, em hora inconveniente e alguns já no fim do ano lectivo.
Quanto à disciplina de Português, os últimos dois anos acusam uma baixa significativa de resultados e queixam-se alguns construtores de opinião de que as razões ainda estão por esclarecer. A Associação de Professores de Português refere-o a propósito do último ano lectivo, ao vaticinar resultados melhores para este ano, dada a dita facilidade da prova e a sua congruência com o programa que se pretende avaliar.
Mas a razão dos resultados indesejáveis tem que ver com os programas e com sua gestão. O ensino básico anda pelos carris do facilitismo que dá na progressão quase automática, apesar da abundância de contactos, diversidade de planos de recuperação, acompanhamento e desenvolvimento e da multiplicidade de relatórios. Insiste-se na narrativa curta, no poema breve e pouco estruturado, no texto de interesse e jeito do aluno.
No 10.º ano, continua-se com a notícia e afins, o conto, a autobiografia, a poesia do século XX. No 11.º, vêm Os Maias, o Sermão de Santo António aos Peixes, o Frei Luís de Sousa. E, no 12.º, é obrigatória a multiplicidade de Fernando Pessoa, Os Lusíadas, a obra de Sttau Monteiro e o "impagável" Saramago. E, ainda por cima, multiplicam-se os textos de apoio, de interesse editorial, e os resumos, que dispensam o aluno de ler as obras. E enferma-se de um pequeno erro. Catalogamos demasiado obra e autor.
A prova de 2007 da 1.ª fase foi difícil, porque o texto para aferição da capacidade de leitura era um poema de Álvaro de Campos, da fase intimista, das recordações de infância, quando usualmente nos fixamos na índole excêntrica e modernista deste «engenheiro de máquinas». Já a prova de 2008, da mesma fase, parte da análise de Os Lusíadas. Há quanto tempo isto não saía! Era do programa do 10.º ano. E o exame só versa matéria do 12.º ano. Só passou a integrar o programa do 12.º após a vigência do Decreto-Lei n.º 74/2004. E comummente entendia-se que o épico só era estudado em confronto com o poeta de Mensagem, o que não é rigoroso. É certo que saiu um trecho do épico na prova de 2006, mas foi na 2.ª fase, que tem menor impacto nos media.
Acresce que, no actual ambiente escolar, só muito tardiamente os alunos despertam para o peso da vida futura. Talvez, se os exames fossem obrigatórios para todas as disciplinas no fim de cada ciclo de estudos e abrangessem os conteúdos da totalidade do ciclo e não apenas o seu termo, se não fosse obrigatório esperar escrupulosamente pelo despertar de cada aluno da sua letargia hiperactiva, se ao professor fosse reconhecida a autoridade para ensinar e se este fosse o seu primordial papel, os resultados fossem mais maduros, o sucesso mais real, no curto prazo e, maior, a longo prazo, e, sobretudo, a escola preparasse melhor para a integração no mundo do trabalho, no contexto de uma sociedade fortemente competitiva e, por vezes, bem cruel!
Quando é que as comunidades educativas abdicam do trabalho para as estatísticas e se decidem a apostar a sério na educação integral e integradora?
In Cartas ao Director do jornal Público de 21 de Junho de 2009.