«Se o Ciberdúvidas conseguir ser feliz...»
Meu caro senhor Carlos Rocha (18/02/2010)
Como diz, a propósito:
«Em resumo, compreendo as intenções satíricas do apontamento do consulente, mas sobra para mim a ingrata e pouco humorística tarefa de recordar mais uma vez, sem apelo ao ridículo, que os desvios linguísticos são uma boa oportunidade para reflectir sobre a historicidade e o convencionalismo das normas, que não deixam de ser necessárias, não o nego.»
Primeiro o mais importante.
Começo por pedir licença para esclarecer o seguinte, na minha pequenez, e agradecendo o tempo que lhe estou tomando:
Eu, ainda com resquícios de congénita confiança na excelência da generosidade das pessoas, muito embora a experiência em contrário de muitos anos de vida, detectei logo que o tom enfastiado, mesmo agastado, que preferiu tomar tem algo subjacente, não foi por acaso, como seja que de maneira nenhuma me considera um aliado, mas antes um exemplo acabado de assumido impertinente.
Na pretensão, pode afirmar-se, falhei completamente. Eu explico em duas linhas: o povo, com excepção dos jornais, cada vez lê menos: livros não adquire, frequentar bibliotecas, hábito que nunca teve. O que lhe resta? Por dia um par escasso de horas de televisão. E o que se lhe depara aí?
Considera que fica, no seu dia-a-dia, imitando inconscientemente, os eminentes da Nação, mais os comunicadores, mais os comentadores dos futebóis, mais os entrevistadores, com a consciência tranquila de que está absolutamente "no ponto" quanto à Língua, nem lhes passando pela cabeça sequer as bacoradas que estão a absorver epidermicamente. É este o caso e mais nada.
Agora, lá vão algumas notas adrede:
1) O político em causa (zurzido pelo "contexto") é Ricardo Rodrigues, revelo-o só agora, para que não seja acusado de intenções que não as referentes ao estrito contexto (!) da minha consulta. Quando se trata de adivinhar intenções, nunca se sabe a que profundezas vai parar o escrutínio...
2) Das tais intenções de ridicularizar, que me imputa, talvez esteja o amigo a exagerar um pouquinho. É que, afinal, apenas se me pode dar, quando muito, o obscuro papel do garoto de rua, ranhoso, a apontar com o dedo: o rei vai nu. Como deveria ir trajado, como se deveria apresentar, compete inteiramente, e por mérito próprio, a Ciberdúvidas.
3) Sempre ouvi afirmar que o riso é uma manifestação de inteligência, e como não quero passar por estúpido, ou, quem sabe?, desejando esconder que o seja, resulta daí a minha escolha de um tom bem-humorado.
4) Achou a sua tarefa, cito-o, ingrata e pouco humorística. Ora, desde sempre, se evoca o latinismo ridendo castigat mores. No entanto, permita-me a sugestão: é que, se, por vontade própria, optar por esta via, pode ser, quem sabe?, que consigamos que os visados arrepiem caminho e os demais leitores gozem de uma leitura mais amena: estou a lembrar-me a modos como o Cuidado com a Língua!. Não será isso que o meu amigo e eu pretendemos, afinal?
Acrescento, na defesa da minha tese, um pequeno mas significativo pormenor: tive a grata surpresa de ver o Daniel Catalão, logo no dia seguinte à publicação da vossa nota respondendo ao minha consulta, pronunciar polvos (embora tão a medo...) como deve ser. Foi necessário porque os suicidas moluscos teimaram em voltar ao noticiário.
Se o Ciberdúvidas conseguir ser feliz, circunscrevendo a sua acção a ensinar como se designam os habitantes de A-dos-Pardais, ou, cumulativamente, em desenrascar os professores da Língua, atrapalhados com o VOLP e com as chomskices da Gramática Generativa, tudo bem.
Eu, por minha parte, vou tentando também ser feliz...
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