O contexto da frase a que o consulente se refere é o seguinte (mantém-se a ortografia original):
«Não tenho sentimento nenhum politico ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriotico. Minha patria é a lingua portuguesa. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incommodassem pessoalmente. Mas odeio, com odio verdadeiro, com o unico odio que sinto, não quem escreve mal portuguez, não quem não sabe syntaxe, não quem escreve em orthographia simplificada, mas a pagina mal escripta, como pessoa própria, a syntaxe errada, como gente em que se bata, a orthographia sem ípsilon, como escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse.
Sim, porque a orthographia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida. E a gala da transliteração greco-romana veste-m'a do seu vero manto régio, pelo qual é senhora e rainha.»
Livro do Desassossego, por Bernardo Soares, ed. de Jacinto do Prado Coelho, Lisboa, Ática, 1982 vol. I, págs. 16-17
Gostaríamos de observar que não se pode dizer que a questão ortográfica do Brasil e de Portugal tivesse rumo absolutamente idêntico antes de Fernando Pessoa. Ao que parece, antes das reformas ortográficas iniciadas no século XX, já se verificava certo grau de variação ortográfica entre os dois países. Recomendamos a consulta da Breve cronologia da ortografia do português, no Portal da Língua Portuguesa.