Habituados que estamos a ver tão maltratado o nosso idioma em meios que deveriam dar o exemplo contrário, sentimos vontade de "soltar os cães" sempre que um crime de lesa-língua acontece de novo!
Um masculino pode perfeitamente ser um feminino, e vice-versa, sem que haja discordância gramatical. Repare-se nos seguintes exemplos, em que "uns" passam a "umas" e "umas" passam a "uns" sem qualquer problema:
«O senhor José Lourenço é uma excelente pessoa.»
«Uma bicicleta é um meio de transporte não poluente.»
«Um seu desejo é uma ordem.»
No entanto, a frase que o consulente ouviu na RTP apresenta um problema de semântica, sim, senhor.
Há uma figura de retórica chamada metonímia, que consiste, “grosso modo”, em substituir uma palavra (ou um conjunto delas) por outra com a qual tenha qualquer relação por dependência de ideia. É o que acontece, por exemplo, na frase «Quem me dera ter um picasso na parede da sala!», em que "picasso" está por «quadro da autoria do pintor espanhol Pablo Picasso». Quando dizemos "um rottweiller", estamos a recorrer a uma metonímia para dizermos «um cão da raça rottweiller». Ora, a frase «Um cão da raça rottweiller é uma raça de cães» não faz sentido nenhum, tal como não faria sentido responder «É um pintor espanhol» à pergunta «O que é um picasso?».
Por tudo isto, a sugestão do consulente está coberta de razão: a resposta à pergunta «O que é um rottweiller?» deveria ser qualquer coisa do tipo: «É um cão da raça com esse nome».