1. Em primeiro lugar, uma nota breve sobre a teorização relativa às tipologias textuais.
As reflexões recentes sobre tipos ou tipologias de texto têm por base fundamentalmente as propostas de Jean-Michel Adam (1992)1, segundo as quais, a partir da heterogeneidade composicional dos discursos reais, são definidos padrões de textualização. Trata-se de passar da complexidade das formas discursivas reais para o apuramento de formas mais elementares ou tipos relativamente estáveis de sequ[ü]ências, disponíveis para entrarem num número infinito de combinações.
Aquilo que Adam descreve são protótipos textuais (narrativo, descritivo, argumentativo, expositivo, injuntivo, dialogal), ou seja, agregados de regularidades do processo de textualização.
2. Se dermos como equivalentes os termos protótipos textuais — tipos de texto, então temos de reconhecer que raramente um discurso real — efe(c)tivamente produzido num contexto situacional efe(c)tivo — corresponde integralmente a uma tipologia. Talvez alguns textos técnicos (a circular, o aviso, a convocatória, etc.) sejam composicionalmente homogéneos. A regra é a heterogeneidade: o sermão tem sequ[ü]ências argumentativas e sequ[ü]ências narrativas; o discurso publicitário tem descrição e argumentação; o romance tem narração e descrição, etc.
3. O texto dialogal caracteriza-se por integrar turnos (ou tomadas de vez) de índole fática — são os turnos de abertura e de fechamento; ex.:
Abertura
«— Olá!»
«— Então, tudo bem?»
«— Boa tarde.»
«— Por favor.»
Fechamento
«— Adeus, porta-te bem.»
«— Até à próxima.»
«— Obrigado. Passe bem.»
Entre a abertura e o fechamento há o corpo da intera(c)ção, composto pelos movimentos de pergunta-resposta.
O texto dialogal tem a especificidade de ser um texto cogerido, na medida em que é produzido por, pelo menos, dois locutores: aquilo que um locutor diz tem de vir a propósito do que o outro disse; os interlocutores, à vez, concordam, discordam, generalizam, exemplificam, justificam, concluem, particularizam, etc.
Alguns exemplos de discursos em que o protótipo dialogal é dominante: a entrevista, o debate, a reunião de trabalho, etc.
4. À luz do que ficou dito sobre a heterogeneidade composicional dos discursos, fica claro que uma narrativa se pode compor de sequências prototípicas narrativas e de sequências prototípicas dialogais. Por exemplo, Baía dos Tigres, de Pedro Rosa Mendes2, integra um capítulo dedicado à reprodução de uma entrevista.
5. A relação protótipo narrativo — protótipo dialogal distingue-se, porém, da integração, na sequ[ü]ência narrativa, do discurso relatado: discurso dire(c)to e indire(c)to. O discurso relatado diz respeito aos diferentes modos de representar as falas atribuídas a outros locutores que não o locutor principal (se o texto englobante for narrativo, esse locutor principal é o narrador). O discurso dire(c)to não é considerado um tipo textual, mas um fenómeno enunciativo.
1ADAM, Jean-Michel 1992 – Les Textes: Types et Prototypes, Paris, Nathan.
2 MENDES, Pedro Rosa 1998 – Baía dos Tiges, Lisboa, Dom Quixote: 355-368.