Pode parecer estranho, mas imagine-se que, à informação de que um meio de transporte atravessa o Mali («vai pelo Mali»), se quer também assinalar que o movimento foi feito por cima desse país, como seja quando se trata de um avião. Nesse caso, pode fazer sentido a expressão «vai por sobre X» (ou «voa por sobre o Mali») — muito embora para referir essa situação já exista o verbo sobrevoar, que dispensa preposições. Note-se também que é frequente (é mesmo um lugar-comum literarizante) produzir frases como «o avião voava por sobre as nuvens». Finalmente, a locução prepositiva «por sobre» está registada no Dicionário Houaiss, que a define do seguinte modo: «por s[obre] neste, naquele, em todo lugar; por toda(s) a(s) parte(s) de. Ex.: <viu uma vida inteira desabar por s. sua cabeça> <em sua função, viajou por s. todo o Estado>.»
No entanto, o uso do verbo estar associada a «por sobre» revela-se um tanto discutível. Com efeito, nos exemplos apresentados pelo dicionário em referência, figuram não verbos de estado mas de movimento (desabar e viajar). Por outro lado, a locução sugere a deslocação de algo que se estende a todo o comprimento ou a toda a largura de uma superfície. Uma frase como «estamos por sobre o Mali» torna-se, portanto, uma sequência de aceitabilidade duvidosa, porque é difícil concebermos que os passageiros de um avião se estendam pelo país sobrevoado pelo avião que os transporta. A menos que nessa frase se subentenda esta outra, «estamos a voar por sobre o Mali», que tem maior adequação, uma vez que inclui um verbo de movimento. Enfim, trata-se de um caso muito interessante de exploração da flexibilidade semântica de uma locução prepositiva, que, no devido contexto, pode acabar por se mostrar aceitável.