Se se fala de momento narrativo, entra-se no domínio do tempo, uma das categorias da narrativa. Mas, para se fazer a análise do tempo de uma narrativa, tem de se ter em conta duas realidades — a do tempo da história (narrada) e a do tempo do discurso (da escrita) — que, apesar de distintos, estão, naturalmente, relacionados.
Tendo em conta a presença destes dois tipos de tempo numa narrativa, o momento narrativo poderá referir-se a um determinado momento da história/acção em que decorre um certo episódio (e sobre o qual se quer fazer uma análise mais atenta) ou, por outro lado, referir-se-á a um certo momento/período do discurso construído pelo narrador que, decerto, terá algumas particularidades que deverão ser objecto de reflexão e de estudo.
No estudo de qualquer texto narrativo, a prática diz-nos que se tem privilegiado o tempo da história, pois a análise gira em torno da acção/história narrada, em que a temporalidade da história se consegue, geralmente, identificar com algum rigor, fazendo-se o levantamento dos marcos temporais que enquadram a narrativa. «Assim, ter-se-á casos de histórias que duram horas, dias, semanas, meses, anos e até séculos. É, igualmente, respeitante ao tempo da história, que se costuma distinguir o tempo em cronológico e em psicológico. O tempo cronológico não é outro senão o tempo que o relógio assinala; já o tempo psicológico, por seu turno, é a maneira pela qual o tempo é subjectivamente vivenciado pelas personagens que povoam determinado mundo possível.» (E-Dicionário de Termos Literários)
De facto, devido à presença de marcas temporais nas narrativas, não há grande dificuldade em se desvendar o tempo da história, o que não sucede com o tempo do discurso, pois a metodologia para o identificar não é evidente. Seguindo a melhor tradição, contudo, mede-se o tempo do discurso pela sua extensão, quer dizer, pelo número de linhas e de páginas, o que dá uma ideia aproximada do tempo que seria gasto para ler determinado fragmento de um texto. Por isso, o tempo do discurso é considerado um pseudotempo.
A riqueza e a consequente complexidade que o tempo do discurso confere à análise da narrativa é «avaliada pela consideração dos três domínios com ele relacionados: a ordem, a velocidade e a frequência» (idem).
Em Discurso da Narrativa (1995, p. 33), afirma Genette que estudar «a ordem temporal de uma narrativa é confrontar a ordem de disposição dos acontecimentos ou segmentos temporais no discurso narrativo com a ordem de sucessão desses mesmos acontecimentos ou segmentos temporais na história». Por isso, importa estarmos atentos à construção do plano da história, de modo a observarmos se os acontecimentos surgem narrados segundo a ordem linear ou se não coincide a ordem da história e a da narrativa, ou seja, se o narrador optou por alterar a ordem dos acontecimentos da história, começando a sua narrativa pelo desfecho da história, ou já por uma fase avançada da acção, regressando aos poucos ao inicio, um fenómeno que se tem verificado com acentuada frequência, o da anacronia, quer dizer, o da «discordância entre a ordem da história e a da narrativa» (idem, p. 34). «De duas espécies são as anacronias: analepse e prolepse. A primeira corresponde ao flash-back e a segunda ao flashforward ou à antecipação. A analepse é, fora de dúvida, bem mais frequente do que a prolepse, e remonta aos primeiros textos literários de que se tem notícia.»
Relativamente à velocidade da narrativa, torna-se bastante difícil analisá-la com rigor. Genette salienta que ela se configura «pela relação entre uma duração, a da história, medida em segundos, minutos, horas, dias, meses e anos, e uma extensão: a do texto, medido em linhas e em páginas». São importantes os seguintes aspectos: «a pausa (o tempo da história pára e continua o tempo do discurso), o sumário (o tempo da história é maior que o tempo do discurso) e a elipse (supressão de períodos de tempo, ou, ainda, é anulado o tempo do discurso ao passo que prossegue o da história)».
Se se incidir sobre a frequência de uma narrativa, teremos de estar atentos à «relação quantitativa estabelecida entre o número de eventos da história e o número de vezes que são mencionados no discurso» (Carlos Reis e Ana Cristina M. Lopes, Dicionário de Narratologia, 2000, p. 182). Poderemos, então, observar se «a narrativa conta uma única vez o que aconteceu uma vez na história», se «reporta o discurso em momentos distintos um acontecimento da história» (discurso repetitivo) ou se «uma única emissão da narrativa representa várias ocorrências do mesmo evento (iterativo)». Portanto, o estudo do momento narrativo poderá ser feito tendo em conta a frequência com que certo episódio surge narrado ao longo do texto.
Pode ter parecido que se divagou demasiado para se responder a essa questão, mas, quando nos referimos ao tempo na narrativa, há sempre muito a explorar.