A evolução do latim ‘magister’ para a forma portuguesa mestre levanta um problema que é o facto/fato de a forma esperada ser «mestro» e não «mestre». Isto porque os substantivos em Português têm quase sempre como base etimológica latina não as formas nominativas dos mesmos mas as formas acusativas, sendo que o acusativo singular de «magister» era, em latim, «magistrum». Daí que alguns dicionários refiram que, provavelmente, a palavra chegou ao Português indirectamente/indiretamente, através do provençal ou do francês.
Note-se que há alguns substantivos portugueses que descendem da forma nominativa latina: «Deus», «Domingos». O adjectivo/adjetivo «livre» (lat. «liber», acusativo singular masculino «liberum») apresenta um problema semelhante ao de «mestre», embora os dicionários não refiram que terá chegado ao Português por intermédio de outra língua românica.
Feita esta ressalva, podemos começar por considerar as mudanças sonoras que se pensa que terão ocorrido ainda antes de o latim se fragmentar nas diversas línguas românicas (sem no entanto tentar apresentá-las por ordem cronológica). O latim possuía uma oposição entre vogais longas e vogais breves que no primeiro século da nossa era começou a desaparecer (os «graffiti» de Pompeia já o mostram, sendo que esta cidade foi soterrada em 79 d. C.). Isto teve como resultado que o i breve e o u breve se transformaram em /ê/ e /ô/, respectivamente, na maioria da România (a excepção/exceção é a Sardenha). Outra mudança bastante difundida no latim vulgar foi o enfraquecimento de várias consoantes em posição intervocálica, que causou o desaparecimento de muitos g neste contexto. Se juntarmos a estas mudanças outras como a metátese entre uma vogal em sílaba átona final e a vibrante (visível se compararmos o lat. «semper» e o port. «sempre» ou o lat. «quattuor» e o port. «quatro») ou como a queda de muitas consoantes em final de palavras, nomeadamente -m, chegamos a formas do latim vulgar como «maestre» e «maestro» (tanto o i como o u de «magister» e «magistrum» eram breves) (a diferença entre nominativo e acusativo deve ter-se mantido no latim vulgar, uma vez que ainda se encontra no Francês antigo e no Romeno).
Aceitemos que a forma na origem do «mestre» português é «maestre», descenda ela directamente/diretamente do nominativo latino ou tenha ela chegado até nós através de outra língua românica em que os o e os e átonos finais se tenham fundido (em prejuízo dos o). É uma mudança característica do Galego-Português a assimilação de uma vogal átona por uma tónica quando estão ambas em hiato, o que nos dá «meestre», forma atestada no Português arcaico. Depois o que aconteceu foi que estes hiatos foram anulados, resultando algo que no Português médio seria uma vogal longa. Estas vogais longas tornaram-se frequentemente/ freqüentemente abertas (daí termos /é/ e não /ê/ em «mestre») e depois desapareceram mais uma vez as oposições entre vogais longas e breves. A palatalização do s em final de sílaba e a redução da vogal final são fenómenos mais recentes (sécs. XVII e XVIII, respectivamente, mas talvez sejam ligeiramente mais antigos).