DÚVIDAS

Mandar e outros verbos com infinitivo

Numa gramática da língua portuguesa, editada na Polónia, está escrito que depois dos verbos "deixar", "fazer", "mandar", "ver", "ouvir" geralmente usamos o infinitivo impessoal (p. ex. «mande entrar os convidados», «ouvi cantar muitos coros», etc.). Há alguma excepção à regra? Pode-se dizer: «mandei-lhes não sairem de casa?» Obrigada pela ajuda!

Resposta

Apesar de o mais comum ser o emprego do infinito não flexionado com «verbos auxiliares causativos (deixar, mandar, fazer e sinónimos) e os sensitivos (ver, ouvir, sentir e sinónimos)» (Nova Gramática do Português Contemporâneo, 17.ª ed., Lisboa, Sá da Costa, 2002, pág. 484), há casos em que pode «ocorrer também a forma flexionada» (ob. cit., pág. 485), o que legitima a dúvida da consulente. Citando Celso Cunha e Lindley Cintra, o infinito não flexionado «vem imediatamente depois dos verbos de que depende ou apenas separado deles por seu sujeito, expresso por um pronome oblíquo:

Deixas correr os dias como as águas do Paraíba?

(Machado de Assis, OC, II, 119)

E as lágrimas que choro, branca e calma,

Ninguém as vê brotar dentro da alma!

(Florbela Espanca, S, 18)

Esta viu-os ir pouco a pouco.

(Machado de Assis, OC, II, 509)»(ob. cit.) Por sua vez, a forma flexionada «costuma ocorrer quando entre o auxiliar o infinitivo se insere o sujeito deste, expresso por substantivo ou equivalente:

Domingos mandou os homens levantarem-se.

(Castro Soromenho, C, 56)

Vi teus vestidos brilharem

Sem qualquer clarão do dia.

(Cecília Meireles, OP, 615)

Finalmente, viu os três pastores pegarem nos alforges e dirigirem-se ao regato, para lavar as mãos.

(Ferreira de Castro, OC, I, 404)» Apesar de se ter estabelecido essa diferença para o emprego de uma e da outra forma do infinitivo, estes linguistas dizem-nos, também, que a forma flexionada ocorre, «mais raramente, quando o sujeito é um pronome oblíquo:

Ele viu-as entrarem, prostrarem-se de braços estendidos, chorando e não se comoveu

(Coelho Neto, OS, I, 1328) e em construções do tipo

Vi surgirem os primeiros brotos nas árvores, nascerem as primeiras flores, e chegarem enfim os frutos inocentes e verdes.

(Augusto Frederico Schmidt, AP, 170) não são comuns e explicam-se pelo realce que, no caso, se concede ao sujeito do infinitivo.» (ob. cit.) De qualquer modo, é importante termos em atenção que estes dois últimos casos, usados por escritores, fogem à regra e são citados por Cunha e Cintra como raros. E não podemos esquecer-nos que os escritores, tal como qualquer artista, têm um estatuto que lhe permite o desvio, o que não é o caso de uma pessoa comum.

 

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