Os “milagres” a que se refere são um aspecto interessante de falta de congruência, com repercussões na evolução semântica da língua. Basta lembrar o caso do discutidíssimo “despoletar”. Evanildo Bechara, na Moderna Gramática Portuguesa (pp. 33-35), baseando-se no linguista Eugénio Coseriu, faz algumas considerações sobre tipos de saber lingu[ü]ístico, dos quais decorrem diferentes tipo de juízo de valor sobre a conformidade do falar com o saber linguístico. Esta ideia pode aproximar-se, para já, de outras que são correntes na linguística, como sejam as de competência e “performance” propostas por Chomsky.
Nos casos apontados temos uma clara incongruência em «ser vítima de uma tentativa de atentado», uma vez que «ser vítima» pressupõe não uma «tentativa de atentado» (o atentado não se concretizou), mas «um atentado» (que se concretizou, ou não seria atentado).
Quanto aos outros dois casos, temos:
1. Uma incongruência no domínio do léxico, porque arma é um hiperónimo de faca, isto é, trata-se de um termo que compreende a significação de outro. Por outras palavras, se todas as facas podem ser armas, já todas as armas podem não ser facas, porque a palavra arma pode abranger de modo mais abstracto o significado de navalha, espada, revólver, etc.
2. O mesmo acontece com vítima e ferido. Uma vítima não é necessariamente mortal, ou seja, não é sinónimo de morto, mas antes um hiperónimo, um termo de significação mais geral que compreende mortos e feridos. Não faz, portanto, muito sentido que se diga «vítimas e feridos», porque, quando se foi ferido, também se é vítima.
Estes ilogismos são muito frequentes com o léxico, sobretudo quando estão em causa contrastes entre generalização e especificação das unidades lexicais.