Porque é que Mattoso Câmara não considera o grau como uma flexão? É fácil de responder: porque era uma pessoa muito competente em assuntos de Língua Portuguesa. Vamos, pois, à explicação:
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Flexão – É a acção de flexionar. E flexionar significa dobrar, curvar. Se flexionarmos uma folha de papel, e fizermos dela um funil, a folha não se altera, pois continua com as mesmas propriedades. O que se alterou foi apenas a forma. Por isso ela passou a ter outro uso: passou a servir de funil.
E assim compreendemos que o adjectivo lindo se flexione em género e número: lindo/a, lindos/as. A palavra é a mesma. Apenas se alterou a forma. Por isso o significado fundamental continua a ser o mesmo: agradável, belo. O uso é que se modificou, tal como aconteceu com a folha de papel. Passou a servir de indicativo de género e de número: lindo, linda, lindos, lindas. -
Vejamos agora algumas frases em que o adjectivo linda se encontra nos vários graus de significação:
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A Maria é linda.
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A Maria é tão linda como a Joana.
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A Maria é mais linda do que a Joana.
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A Maria é menos linda do que a Joana.
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Estas frases mostram o adjectivo linda significando o grau positivo e o grau comparativo, como vemos, em nenhuma delas o adjectivo linda está flexionado.
- Vejamos, seguidamente, a mesma frase no superlativo. Como sabemos, há várias maneiras de o significar:
- A Maria é
- .A Maria é
- !
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A Maria é linda como ninguém.
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A Maria é a mais linda de todas.
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A Maria é a menos linda de todas.
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A Maria é bem linda!
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A Maria é linda a valer!
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Que linda é a Maria!
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Como é linda a Maria!
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A Maria é lindíssima.
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A Maria é lindinha.
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A Maria é super linda.
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Temos aqui 12 frases no grau superlativo. Em nenhuma delas o adjectivo linda está flexionado mesmo nas frases (o), (p) e (q), porque as palavras não se flexionam por meio de sufixos, mas de desinências.
Se as palavras também se flexionassem por meio de sufixos, teríamos de chegar à seguinte conclusão: se na frase (p) temos a flexão de linda em grau, porque o sufixo -inha designa grau, então na palavra livreiro temos a flexão de livro em profissão, porque o sufixo -eiro designa profissão. E, em paredão, temos a flexão em grandes dimensões, porque o sufixo -ão designa, nesta palavra, grandes dimensões.
Nas frases (o), (p) e (q), não há flexão de linda em grau. Há sim, adjectivos derivados de linda para indicar o grau de significação dos adjectivos.
De resto, o que tem grau não é o adjectivo, mas a significação dele.
Nota. – Antigamente, de modo geral, não se dizia «graus dos adjectivos», mas sim «graus de significação dos adjectivos».
Pelas frases (g), (h), (i) e (j), verificamos que o superlativo se pode formar por meio de advérbios antepostos. Além destes exemplos, há muitos mais. Alguns: -
O João é assaz, bastante/excessivamente; desmedidamente, extremamente, etc.
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Outro modo de superlativação é fazer seguir o adjectivo de várias expressões, como por exemplo:
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O Pedro é rico até mais não / a valer / como não há outro / como ninguém.
Nalgum destes exemplos o adjectivo rico se flexiona?
Há ainda outra formação de grau em que não há flexão. É aquela que se obtém por meio de palavra diferente:Positivo Comparativo de superioridade Superlativo absoluto relativo bom melhor óptimo o melhor mau pior péssimo o pior grande maior máximo o maior pequeno menor mínimo o menor -
Quanto aos substantivos, os que significam grau aumentativo e diminutivo são apenas derivados: portão, derivado de porta. E assim é que está certo. Porta não se flexiona em portão nem em portinha, portita, portazinha e portinhola.
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