Está fora do âmbito de Ciberdúvidas dissertar sobre a gramática filosófica, pois que o "Ciber" apenas tem como função tirar dúvidas sobre a nossa língua/linguagem. Vou, no entanto, dizer algumas palavras sobre o assunto. Conforme ensina a "Nova Enciclopédia Larousse", a filosofia interroga-se "sobre os processos dos conhecimentos científicos, sobre a maneira como são elaborados os conceitos, sobre o seu modo de emprego, sobre as relações que mantêm entre si e com o campo a que pertencem." A gramática filosófica ajuda a explicar e a compreender como determinadas frases se encontram construídas. Vejamos apenas alguns exemplos "sobre a maneira como são elaborados os conceitos" (como diz o tal dicionário) nas frases seguintes tão vulgares: a) Naquele acidente houve dois feridos graves. b) Fui ao hospital fazer uma operação ao estômago. c) Vou-te dar um remédio que faz muito bem ao reumatismo. Dir-se-á que nestas frases há falta de lógica. Em a), o que foi grave não foram os dois feridos, mas as feridas. Em b), quem fez a operação foi o médico, e não o doente. Na frase c), o remédio não faz bem ao reumatismo. Faz-lhe mal, porque o destrói. Faz bem, sim, mas à pessoa que o tem. Nestas frases, não há falta de lógica, como há quem diga. Gramaticalmente as palavras estão bem escolhidas e empregadas na frase no devido lugar. É claro que há lógica, considerando o contexto em que a frase ou a expressão se encontra. O sentido nem sempre é a soma - digamos assim - de todas as palavras dessa frase ou expressão. É-o, por exemplo, em O Pedro deu a maçã ao primo. Em muitos casos, o sentido apresenta-se-nos globalmente, como por exemplo em vou arrancar um dente; jardim infantil. Estes exemplos não têm lógica interna, porque o sentido não é a soma do significado das palavras que os formam, pois que o sentido apreende-se globalmente e relacionando-o com o contexto e/ou com a situação. Há, assim, ausência de lógica interna, mas inteira lógica externa. Resumindo: uma coisa é a lógica da língua/linguagem; outra, a lógica do pensamento. Infelizmente, nem todos os professores estão a par da diferença entre a lógica do pensamento e a lógica da língua. Por isso, há quem ensine erradamente coisas como a seguinte em frases como esta: a) Vou-te contar isso. Ensinam: esta frase está errada. O pronome te não pertence a vou, mas sim a contar. Portanto, o correcto é assim: b) Vou contar-te isso. Nem ao menos reparam que soa muito mal o seguimento das consoantes t naquelas duas sílabas consecutivas. E também ensinam mal, quando afirmam que não há lógica na frase a). Repare-se, até, nesta coisa interessante: se aumentarmos o princípio da frase com determinadas palavras, o pronome te ainda recua mais, ficando agora mais afastado da palavra a que pertence, isto é, de contar: c) Já te vou contar isso. Em determinados contextos, pode ainda recuar mais em frases como esta: d) Já te não vou contar isso. Não esqueçamos, pois: uma coisa é a lógica da língua; outra a do pensamento.