DÚVIDAS

Futuro do pretérito, de volta

Obrigada pela resposta dada a minha dúvida: "o Futuro do Pretérito não deveria estar no Modo Subjuntivo?" Contudo, ainda não me sinto inteiramente convencida. Penso que, semanticamente, o futuro do pretérito traz em si a idéia do "duvidoso", do "possível", do "desejo". Por exemplo, a frase "Eu cantaria a noite inteira", (que vocês me pediram para enviar completa, a fim de que pudessem dar uma resposta certa e clara) é um verso de uma música:

"Eu cantaria (Fut. do Pret.) a noite inteira,

Se preciso fosse, meu amor"

No caso, entendo que o sujeito não cantou, mas sugeriu uma possibilidade de realização do ato.

Não percebo diferença semântica dessa frase comparada a:

"Que venham (Pres. do Subjuntivo) os inimigos – se preciso for!"

Na frase "Disseram-me que ele entregaria a encomenda mais tarde", não considero que a forma "entregaria" traz embutida a idéia de certeza, conforme seu comentário:

"A forma verbal entregaria indica uma certeza, uma realidade. É como se disséssemos: Disseram-me que ele entregaria, de certeza, a encomenda mais tarde."

Concordo que, usando expressões como "de certeza", "sem falta" etc., a forma verbal poderá ficar "contaminada", levando-nos a certeza do fato.

Mas isso não pode ser considerado, já que posso usar um verbo no presente do indicativo e acrescentar um termo que vá sugerir dúvida.

Em resumo, o que pretendo discutir é a sugestão de dúvida num tempo verbal. Se listássemos, por exemplo, todas as primeiras pessoas dos tempos verbais do indicativo, e pedíssemos a alguém para marcar aquela que sugerisse dúvida (independente de qualquer contexto), qual ela marcaria?

amo / amei / amava / amara / amarei / amaria

Fica aqui a interrogação e, se possível, o desejo de uma discussão aprofundada.

Obrigada, sempre, pelo interesse!

Resposta

Segundo a «Nomenclatura Gramatical Portuguesa», não se diz futuro do pretérito, mas sim condicional, porque o que este tempo expressa é, geralmente, um acto real, cuja realização está, de modo geral, dependente duma condição, como vemos:

  1. Eu iria a tua casa, se me pudesses atender. Vá! Vê lá se podes!
       Este condicional não traz «em si a ideia do duvidoso, do possível, do desejo.» Traz a ideia duma realidade, desde que se verifique determinada condição.
       É o que vemos nos dois versos apresentados:

  2. Eu cantaria a noite inteira,
       Se preciso fosse, meu amor.
       Ele cantaria, de certeza absoluta, mas só com uma condição: se fosse preciso.
       O cantor não sugeriu uma possibilidade de cantar, mas uma certeza. A possibilidade de modo nenhum a podemos admitir no cantar, mas sim no ser preciso: se preciso for.
       Uma prova de que o condicional não sugere a possibilidade é a seguinte: podemos dizer frases semelhantes a esta com o verbo noutros tempos do indicativo:

  3. Eu cantarei a noite inteira, se preciso for.

  4. Eu canto/vou cantar a noite inteira se preciso for/se me deres licença, se me quiseres aturar, ouvir, etc.
       Vejamos, então, a diferença semântica, entre estas frases:

  5. Eu cantaria a noite inteira,
       Se preciso fosse, meu amor.

  6. Que venham os inimigos – se preciso for.

Na frase e), apresenta-se uma certeza, que se manifestaria, se preciso fosse.Na frase f), apresenta-se um desejo, uma ordem, uma vontade, conforme a situação, e se preciso for.

Quando dizemos que o indicativo é o modo da realidade, referimo-nos à sua função específica. Mas tal não significa que, sempre que empreguemos o modo indicativo, estejamos em presença duma realidade. Tal como a mesma pessoa se nos mostra (ou significa) como um marinheiro, um agricultor, etc., conforme as vestes com que se apresenta, assim também um modo verbal ou uma palavra significa isto ou aquilo, conforme as «vestes» em que o ou a envolvem. É por isso que sobre as formas verbais amo/amei/amava/amara/amarei/amaria pouco ou nada podemos dizer, porque se apresentam sós. Faltam-lhes as vestes; isto é, o contexto e até a situação. Se me perguntarem, por exemplo, o que significa a palavra ser, nada posso dizer. Significa tantas coisas, conforme o contexto!… Vejamos, por exemplo, estas frases:

  • O meu ser é muito diferente do teu.

  • Não gostaria de ser médico.

  • O senhor diz que isto custa 2.000 escudos. Mas não pode ser 1.500?

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