DÚVIDAS

Frases interrogativas directas de infinitivo

Examinem-se as seguintes frases:
«Por que permitirmos em nossa vida o empenho de ser o que não quereríamos ser se soubéssemos o que queremos?»
«Por que gritarmos tão alto, se ninguém nos pode escutar?»

Nota-se que, nas duas orações iniciadas por «por que», há um verbo no infinitivo pessoal. Gostaria de saber como são elas classificadas. Seria o caso de o serem como orações reduzidas, pois o verbo no infinitivo assim faz supor, mas penso que não é o caso, pois que funcionam como orações principais em cada um dos respectivos períodos. Em suma, como classificar «por que permitirmos...» e «por que gritarmos...»? Obrigado.

Resposta

As duas orações em causa – «Por que permitirmos em nossa vida o empenho de ser o» e «Por que gritarmos tão alto» – são introduzidas por «por que», «advérbio interrogativo de causa» – o qual, segundo Celso Cunha e Lindley Cintra, como qualquer outro advérbio interrogativo, se emprega «nas interrogações directas ou indirectas» (Nova Gramática do Português Contemporâneo, 17.ª ed., Lisboa, Sá da Costa, 2002, p. 539) – ou «morfema interrogativo de valor adverbial», segundo Ana Maria Brito (in Maria Helena Mira Mateus et alli, Gramática da Língua Portuguesa, 6.ª ed., Lisboa, Caminho, 2003, p. 464).

Ora, sempre que há a presença de «constituintes interrogativos, que a gramática tradicional designa por “pronomes”, “adjectivos” ou “advérbios interrogativos”», estamos perante uma «interrogativa parcial ou de instanciação» (Gramática da Língua Portuguesa, ob. cit., p. 463), pois a presença de qualquer constituinte interrogativo marca o foco da interrogação.

No entanto, eu considero que esta interrogativa tem a particularidade de não ter sido construída para obter uma resposta, parecendo-me ser uma pergunta retórica, o que a caracteriza como interrogativa global. Reparemos no que nos é dito sobre estas interrogativas: «[…] há interrogativas globais que não se destinam a ter qualquer resposta: é o caso das perguntas retóricas, formuladas com fins argumentativos ou como expressão da avaliação que o locutor faz de um determinado estado de coisas: Terei eu feito algum mal a Deus?» (Gramática da Língua Portuguesa, ob. cit., p. 462). Penso, até, que na primeira frase nos encontramos perante um caso de interrogação múltipla, pois parece-me haver mais de que um constituinte interrogado.

Tal como o consulente propôs, estas orações não se enquadram no tipo das orações reduzidas, porque não são subordinadas, não estão dependentes de nenhuma outra, apesar de o verbo estar numa das formas nominais previstas para essas orações – o infinitivo. Se fossem orações subordinadas, classificar-se-iam de orações reduzidas de infinitivo adverbiais causais.

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