A expressão «Entre Cila e Caribde» (Grande Dicionário Enciclopédico da Verbo, 1997) ou «entre Cila e Caríbdis» (Dicionário de Frases Feitas, de Orlando Neves, 1991) é uma forma invulgar que corresponde à tão conhecida «entre a espada e a parede» e que representa a sensação de se estar «num dilema, em perigo iminente, em grande dificuldade». Esta expressão deve-se a uma realidade de grande perigo por que passavam os marinheiros quando passavam no estreito de Messina, pois ao fugirem do Caribde (um turbilhão que aí se formava), iam muitas vezes contra Cila, rochedo pouco distante da costa de Itália. Por isso também existe a expressão «fugir de Cila para cair em Caribde» para exprimir a ideia de «evitar um perigo e cair noutro maior» (Grande Dicionário Enciclopédico, ob. cit.) Mas não é esta a expressão que surge em Intermitências da Morte, de José Saramago, embora seja este o seu sentido. No romance, o narrador nem usou maiúsculas para designar o rochedo e o turbilhão, nem utilizou a mesma forma gráfica para «Cila», optando por «sila» como se quisesse que se valorizasse o som que a palavra produz, negligenciando a materialização escrita. Ao dar uma outra forma a esta expressão, o narrador está a afirmar o seu estatuto de diferença que a literatura lhe confere, consciente de que «a literatura tem um sistema seu de signos e de regras de sintaxe de tais signos, sistema esse que lhe é próprio e que lhe serve para transmitir comunicações peculiares, não transmissíveis com outros meios» (Vítor Manuel Aguiar e Silva, Teoria da Literatura, Coimbra, Almedina, 1983, p. 95). Ao lermos a frase em que surge «entre sila e caribdes» – «Entalado entre a espada e a parede, entre sila e caribdes, entre a cruz e a caldeirinha, correu a consultar o primeiro-ministro sobre o inesperado nó górdio surgido» (Intermitências da Morte, de José Saramago, p. 58) –, apercebemo-nos de que a mesma faz parte de uma enumeração de expressões (ou frases feitas), estando enquadrada precisamente no meio de duas que fazem parte do universo linguístico da grande maioria dos falantes. Destacando-se pela invulgaridade, «entre sila e caribdes» surpreende-nos nesta enumeração em que as marcas de oralidade parecem querer evidenciar-se, não deixando margem para qualquer dúvida sobre o seu sentido. Pois quem é que desconhece o significado de «entre a espada e a parede» e «entre a cruz e a caldeirinha»? Ao colocar a expressão «entre sila e caribdes», como marca evidente de cultura, de domínio de outros níveis e códigos que fogem à vulgaridade – tal como a utilização de «nó górdio», mais um sinal de erudição –, este narrador quis surpreender o leitor, assumindo o poder da sua arte de se apropriar do código linguístico e de o moldar de forma a produzir os efeitos que deseja.