Agostinho de Campos, um dos grandes filólogos portugueses da primeira metade deste século, escreveu o seguinte no seu livro "Língua e má língua" (Bertrand, 1944):
«Há mais de trinta anos descobriu Cândido Figueiredo, no velho periódico "Espreitador do mundo novo", nº 7 (Lisboa, 7 de Julho de 1802), certa notícia de um banquete de peraltas lisboetas, na qual se lia o seguinte:'...Não faltando 'charotos', que em Portugal se chamarão cigarros...; fumando um 'charoto' inteiro, ficou de profundis".
«Daqui concluiu Gonçalves Viana ( "Apostilas, II, 452) I.º: que em Portugal se chamou algum tempo cigarro ao charuto, como nas mais línguas europeias ainda acontece (francês "cigare", inglês "cigar", etc.); 2º: que a forma "charoto" representa leitura errada da escrita inglesa "sheroot" (sic), e charuto a correcção posterior, resultante de se ouvir pronunciar a palavra como os Ingleses a dizem; 3º: que a palavra charuto veio para [Portugal] por intermédio do inglês do século XIX.
«A primeira conclusão deve estar certa e confirma-a a expressão castelhana "puro", que neste caso é a abreviatura de cigarro puro (todo de tabaco) por oposição a cigarro de papel (enrolado em papel, e não em tabaco). A segunda conclusão, baseada no trecho do "Espreitador", pode estar certa, mas não implica certidão da terceira, isto é: que a palavra charuto nos tenha vindo inicialmente do inglês "sheroot" - "cheroot", forma que parece mais corrente e determina pronúncia diversa da primeira sílaba.
«Acaba de publicar-se, em Paris, com o título de "Linguistique et Histoire des Moeurs", um livro do célebre filólogo dinamarquês Kristoffer Nyrop, falecido em 1931. No capítulo "Le tabac et son usage" (pág. 152) rejeita aquele sábio a etimologia tâmul da palavra "cheroot" (port. charuto, dinamarq. "cerut", etc.) aceita por Gonçalves Viana, Antenor Nascentes e outros etimologistas. Para Nyrop, o termo "cherut" é a transposição inglesa do português charuto (ou charuta) - e não vice-versa.
«Mas aonde foram os Portugueses buscar tal palavra? Baseando-se em Lenz, e no seu "Dicionário das palavras chilenas provenientes do índio", o filólogo dinamarquês admite a hipótese de que o nosso charuto provenha da palavra "chala", que em várias línguas da América do Sul designa a camisa da espiga de milho, tanto mais que no Chile se emprega correntemente a expressão "cigarro de chala". Do índio "chala" formaram os Portugueses o seu charuto, cuja terminação (uto) é, ou parece, um sufixo de origem latina, significativo de abundância ou plenitude. A troca do l pelo r (chal = char) é característica das transformações hispânicas dos nomes índios.
«Quanto à origem tâmul ou malaia, refuta-a Nyrop em especial nos seguintes termos: "A palavra portuguesa charuto espalhou-se em grande parte da América do Sul. Os charutos foram transportados do Brasil para as Molucas, descobertas pelos Portugueses em 1512, e onde por eles foi fundada uma colónia alguns anos mais tarde. Parece que esta denominação chegou em seguida à Ásia Oriental, onde o uso das folhas de tabaco enroladas umas nas outras era desconhecida anteriormente."
«De modo que o itinerário desta palavra tão viajante deixa de ser Oceânia-Inglaterra-Portugal e modifica-se assim: América-Portugal via Brasil-Oceânia...
«E no caso da pronúncia inglesa errada "charoto" descoberta por Cândido Figueiredo no "Espreitador do Mundo Novo", de 1802? Esse poderia explicar-se por torna-viagem, como aconteceu com o feitiço-fetiche e outros vários. Assim como os Espanhóis (antes de reduzirem "cigarro puro" a "puro"), podiam os Portugueses, esquecidos durante algum tempo do seu charuto, ter adoptado de Espanha a designação cigarro e depois regressado àquela forma mais nacional, exactamente por pensarem que não era nacional e assim lhes parecer mais bonita? Snobismo e linguística são parentes próximos, e isto nem sempre ocorre aos linguistas.»