«Bicos de rouxinol» significa «comida ou prato delicado» e, em sentido mais lato, «mimos». São estas as aceções que se depreendem de uma ocorrência da expressão no livro O Homem (1887), do escritor brasileiro Aluísio Azevedo (1857-1913):
«Ele que lhe compre jóias; que se encarregue de vesti-la, de sustentá-la e de consolá-la. Tem obrigação disso; e, se não dispõe de meios, invente-os - trabalhe! Se não puder tratá-la a bicos de rouxinol, comam feijão com carne seca, que a senhora tem obrigação de contentar-se com o que ele lhe der!» (Aluísio de Azevedo, O Homem in Corpus do Português, coordenado por Mark Davies e Michael Ferreira)
No poema "Falso mendigo", de Vinicius de Moraes, a expressão contribui para a construção hiperbólica do sujeito poético como uma personagem caprichosa e centrada em si, em contraste com o âmbito doméstico e banal que é sugerido:
«[...] Liga para vovó Neném,
pede a ela uma idéia bem inocente
Quero fazer uma grande poesia.
Quando meu pai chegar
tragam-me logo os jornais da tarde
Se eu dormir, pelo amor de Deus,me acordem
Não quero perder nada na vida.
Fizeram bicos de rouxinol para o meu jantar?
Puseram no lugar meu cachimbo e meus poetas?
Tenho um tédio enorme da vida. [...]»
Note-se, porém, que, no Brasil, a expressão, se teve alguma vez uso mais extenso, parece estar esquecida atualmente, pelo menos, na língua mais corrente1. Curiosamente, em Portugal, apesar de na bibliografia consultada para esta resposta não se achar registo lexicográfico de «bicos de rouxinol», a verdade é que se encontra esta locução em crónicas de António Lobo Antunes, publicadas na revista Visão:
«Escrevo isto e sinto as almôndegas a conversarem comigo: despenharam-se-me na barriga feitas pedregulhos, rebolam cá por dentro num fundo de puré, meio dissolvido pelo vinho branco: é o que acontece a quem se mete com minipratos. Devia ter pedido bicos de rouxinol. Ou ter acertado no dia do almoço com os meus camaradas de guerra a lembrar os maus velhos tempos [...].» ("O homem que se sentia losango"2, Visão, 8/02/2008)
«A viscondessa usava um anel no indicador rechonchudo e tinha cara de jantar bicos de rouxinol todos os dias, servindo-se dos talheres como se cada dedo fosse um mindinho, desses que a gente enrola para beber o café.» ("Migalhas", Visão, 10/03/2008)
1 Além de não se acharem registos em dicionários brasileiros (Dicionário Houaiss, Aurélio XXI, Dicionário UNESP do Português Contemporâneo, Dicionário Aulete Digital), é de supor que seja desconhecida de muitos falantes de português do Brasil (comunicação pessoal do consultor Luciano Eduardo de Oliveira).
2 Agradeço a Luciano Eduardo de Oliveira a chamada de atenção para este texto.