A resposta do Dr. Peixoto da Fonseca está inteiramente correcta e clara. Só não está para quem não foi devidamente ensinado ou não quis aprender, como tantas vezes acontece com os alunos dos primeiros anos da escola secundária.
Vou explicar com minúcia:
As formas do pronome pessoal da 2.ª pessoa do plural são:
Vós, vos, -vosco. A última forma só se emprega com a preposição com, formando o vocábulo convosco (= com vós).
Eis agora as formas do pronome possessivo da 2.ª pessoa do plural: vosso, vossa, vossos, vossas.
Daqui concluímos que só é correcto o emprego destas formas do pronome possessivo com o pronome pessoal vós (2.ª pessoa): Vós e o vosso filho sois trabalhadores.
Note-se que o pronome pessoal vós, embora do plural, também se emprega referido ao singular. Por isso dizemos assim: Meu caro senhor, vós e o vosso filho…
Vamos agora à forma você.
Já se disse que o pronome pessoal vós, embora seja do plural, também se emprega, quando nos dirigimos a pessoa do singular. Por isso, dizemos correctamente:
a. Vós, meus caros amigos, sois aquelas pessoas a quem muito devo.
b. Vós, meu caro amigo, sois a pessoa a quem mais devo.
Em épocas passadas, o falante, em vez de se dirigir directamente à pessoa tratando-a por vós (2.ª pessoa), dirigia-se a determinada qualidade ou particularidade dessa pessoa: à sua alteza / senhoria / mercê / excelência, etc. (3.ª pessoa). Daí as formas de tratamento de vossa alteza / senhoria / mercê, excelência (3.ª pessoa).
Algumas dessas formas evolucionaram e deram outras formas. É o caso de:
a. Vossa Mercê - Vossemecê - vomecê1 - você.
b. Vossa Excelência - vosselência - vossência.
A forma de tratamento Vossa Mercê deixou de se empregar; mas a de Vossa Excelência não deixou, como sabemos.
A forma você tem actualmente, como sabemos, o valor de pronome pessoal. Há até gramáticas que denominam de pronomes de tratamento as formas como você, o Senhor, Vossa Excelência, etc. São, digamos assim, «quase pronomes pessoais».
Estas formas de tratamento, embora designem a 2.ª pessoa, levam o verbo para a 3.ª. Não dizemos você és, vocês sois; mas você é, vocês são.
A explicação já foi dada: não nos dirigimos directamente à pessoa, mas indirectamente – por meio de determinada particularidade inerente à pessoa: à sua mercê, à mercê dela, que lhe pertence, porque se lhe atribui.
Como esta mercê é da 3.ª pessoa, o verbo tem de estar na terceira pessoa, assim como os possessivos. Por isso, dizemos: Você (= Vossa Mercê) e os seus filhos são… Quer dizer, é como se considerássemos os filhos não pertencentes à pessoa a quem nos dirigimos, mas à mercê dessa pessoa – mercê que faz parte da sua personalidade, daquilo que ela é.
Quer dizer, as expressões de reverência Vossa Mercê, Vossa Excelência, etc., correspondem, logicamente, a pronomes pessoais da 2.ª pessoa, mas empregam-se gramaticalmente em construções da 3.ª pessoa, pelo facto de, na origem nos dirigirmos à mercê, à senhoria da pessoa com quem falamos – a ela, à mercê, etc.
Do exposto se conclui que a frase da consulta só estará correcta deste modo:
Amanhã vocês trazem todos o seu livro.
Isto é vocês (3.ª pessoa) – trazem (3.ª pessoa) – seu (3.ª pessoa).
E não:
Vocês (3.ª pess.) – trazem (3.ª pess.) – vosso (2.ª pessoa). A frase ficará correcta do seguinte modo, como já vimos:
Amanhã todos vocês trazem o seu livro – sempre 3.ª pessoa.
1 N. E.: A forma vomecê encontra-se atestada no Dicionário de Expressões Populares Portuguesas, de Guilherme Augusto Simões (Lisboa, D. Quixote, 1993). O Dicionário Houaiss regist{#|r}a a forma vosmecê, como contra{#c|}ção de vossemecê. Vomecê e vosmecê são, portanto, variantes.