São interessantíssimas as questões que apresenta sobre os graus do adjectivo bonita. Se existe tal diversidade de linguagem, por alguma coisa é no que respeita à gradação da significação. Os graus de significação que as gramáticas nos apresentam são apenas os pontos fundamentais da gradação – aqueles que servem de fundamento, digamos assim, à nossa apreciação das qualidades de determinado ser, apreciação essa que oscila entre esses fundamentos. Essa oscilação mostra o poder de apreciação do ser humano, proveniente da sua sensibilidade, que lhe permite distinções menores do que a dos graus estabelecidos pela gramática. Daqui se conclui que, só tendo em conta a situação, que não sei qual é, me seria possível certo rigor na distinção das várias gradações que podem admitir as frases apresentadas. E então estaríamos também no domínio da estilística. Vou, então, responder conforme o que me é possível.
1 – Ela não é muito bonita.
Vejamos, então, as três interpretações apresentadas:
(a) Ela não é bonita.
(b) Ela é pouco bonita.
(c) A sua beleza é mediana.
A interpretação (a) está fora de questão, porque se afirma a boniteza, embora não seja muita, e não a ausência de boniteza. A interpretação (b) parece também não dever ser aceite (ou aceita), senão ter-se-ia dito pouco e não muito. Isto é, quem disse a frase centrou o seu espírito de análise na ideia de muito, e não de pouco. Isto é, no emissor imperou a ideia de muito e não de mediano e muito menos de pouco. Parece, pois, que o sentir do emissor era o seguinte: a beleza dela estava um pouco acima da média, mas um tanto longe do máximo, porque esse máximo não é muito bonita, mas sim muitíssimo bonita.
2. – Ela é bonita.
Vejamos as três interpretações:
(a) Ela é pouco bonita.
(b) Ela é muito bonita.
(c) A sua beleza é mediana.
Não é fácil indicar a melhor interpretação, porque a frase não está inserida num contexto e nada se diz da situação.
A presença do adjectivo bonita, sem qualquer advérbio ou locução adverbial, leva-nos a supor que o emissor sentiu/viveu a boniteza dela. Sendo assim, ela não era pouco bonita nem de beleza mediana, mas também não muito bonita. Era apenas bonita. A falta do contexto e da situação impede-nos de descobrir/compreender o grau do sentir e da vivência do emissor.
3. – Ela é pouco bonita.
Sim, significa que ela é bonita; embora a sua beleza seja escassa, podemo-la incluir na classe das bonitas, porque o advérbio pouco não é negativo.
4. – Ela é bonita?
Vejamos as duas propostas:
(a) Sim, ela é pouco bonita.
(b) Sim, ela é muito bonita.
Podemos também admitir estas respostas:
(c) Sim, é bonita.
(d) Sim, é bonita, é.
(e) Não, é feia.
A resposta (c) é sem vivência.
A resposta (d) é uma resposta com vivência. A pessoa vive o que diz. Por isso repete a forma verbal é.
A resposta (e) pode supor esta situação: Quem pergunta desconhece inteiramente a pessoa de que se fala.
5. – Não há muitas moscas aqui.
Vejamos as três interpretações:
(a) Não há moscas.
(b) Há poucas moscas.
(c) Há uma quantidade média de moscas.
A interpretação (a) não é aceitável, porque «não há muitas moscas» faz supor a existência de algumas.
Só a situação e/ou o contexto nos pode levar a aceitar a interpretação (a) ou a (b) ou mesmo até a não saber qual delas está certa.