De facto, quando lemos a frase «O poema está organizado por quatro estrofes», achamo-la estranha, pois não soa lá muito bem. Mas, realmente, isso não basta para que a consideremos incorrecta, agramatical e/ou aceitável.
Estamos perante uma frase em que é utilizada uma locução verbal como predicado, uma vez que o mesmo é um conjunto formado pelo presente do indicativo de um verbo auxiliar – que, neste caso, é o verbo estar – com um verbo principal – aqui, o particípio do verbo organizar. Ao ser escolhido o verbo estar como auxiliar, o que implica o emprego do verbo principal no particípio, isso conduziu a que se formasse um «tempo de voz passiva» (Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 2002, p. 393), facto que levou a consulente a utilizar a preposição por (preposição que introduz o complemento agente da passiva). Ora, seguindo esta lógica, partiremos do princípio de que «por quatro estrofes» seria o agente da passiva, que corresponderia ao agente da acção sofrida pelo sujeito da frase – «o poema».
De acordo com esse princípio, parece ser passada a ideia de que são as quatro estrofes o sujeito da organização do poema, o que não é verdade. Na realidade, é o poeta/o autor... quem organiza o poema, dando-lhe a forma que considera mais adequada. Se a frase fosse «o poema está organizado por Fernando Pessoa», não colocaria quaisquer dúvidas sobre a sua correcção.
Não podemos esquecer-nos de que o verbo organizar é um verbo transitivo, que pede objecto direc)to, o que permite a formação da voz passiva. É vulgar dizer-se «Ele organizou a festa» e, consequentemente, «A festa foi organizada por ele». Mas, aqui, o «ele» é o sujeito da acção, é quem organizou a festa. Ao passo que, na frase apresentada pela consulente, «quatro estrofes» não são o sujeito da organização do poema.
Considero também importante lembrar que, apesar de o verbo ser constituir o verbo auxiliar da voz passiva, os «verbos que exprimem estado (estar, andar, viver, etc.), mudança de estado (ficar) e movimento (ir, vir), combinados com um particípio, também podem formas a voz passiva» (ibidem). Foi, decerto, esta a razão que levou à construção dessa frase, porque a locução verbal escolhida induz, naturalmente, ao uso da preposição pedida pela passiva.