Antes de tentar responder, gostaria de chamar a atenção do consulente e dos leitores para a seguinte explanação do Prontuário Ortográfico e Guia da Língua Portuguesa, 33.ª edição, de Magnus Bergström e Neves Reis, cujos sublinhados são nossos: «Os falantes de uma língua têm de um modo geral consciência das sílabas, que correspondem às unidades em que se dividem as palavras quando são pronunciadas lentamente. Pode, pois, dizer-se que a sílaba constitui uma unidade de pronúncia intuitivamente reconhecida.»
Conclui-se, portanto, que a divisão silábica das palavras é mais intuitiva do que racional e que tudo o que não estiver explicitamente contemplado nos prontuários ortográficos e nas gramáticas terá de ser "descoberto" pelos falantes interessados.
Referindo-me, agora, à pergunta do consulente, eu diria que a justificação para separar a palavra quartzo nas sílabas "quar-tzo" estará no simples facto de ser essa a opção feita pelas pessoas que, ao pronunciarem quartzo lentamente, entendem que ela assim se divide.
Porém, se quisermos sistematizar as diferentes possibilidades e respectivas justificações, teremos:
a) quar-tzo: considera-se africada a sequência [tz], ou seja, [tz] será um par de consoantes oclusiva-fricativa produzidas na mesma emissão de voz (e portanto inseparáveis), tal como /ʧ/ em "tchio" (tio), e /ʤ/ em "dgia" (dia) na pronúncia do Brasil. Esta divisão está na origem de quarço, forma alternativa que se registra no Dicionário Michaelis, no Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, e no Vocabulário da Língua Portuguesa, de Rebelo Gonçalves. Esta grafia com o cê cedilhado decorre do facto de quartzo ter características sonoras e gráficas estranhas ao português: na verdade, a forma com <tz> deriva do nome próprio alemão Quartz. A substituição das letras <tz>, que na língua alemã soam como africada surda — [ts] —, por <ç> não é arbitrária: o grafema <ç> é ainda hoje uma maneira filologicamente adequada de adaptar a africada surda [ts], porque, pelo menos, até ao século XIII, era este o som que lhe estava associado.
b) quart-zo: trata-se da proposta do Dicionário Michaelis, do Dicionário Unesp do Português Contemporâneo e do Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora. Esta divisão justificar-se-á se considerarmos que a sequência [tz] não é, afinal, africada, pois existe uma tendência natural dos falantes para inserirem um som vocálico (o e "mudo" de que ou de, cujo símbolo fonético é [ɨ]) entre as duas consoantes, pelo que não é legítimo considerá-las inseparáveis. Isto acontece com pares de oclusiva-fricativa ( "abessurdo" para absurdo, "quartezo" para quartzo), ou oclusiva-oclusiva ( "peneu", para pneu). No português do Brasil, a vogal a inserir é [i]: "abissurdo", "pineu".
c) quar-t-zo: embora esta seja uma partição graficamente "chocante", a verdade é que, à luz do argumento anterior, e do ponto de vista fonológico, podemos interpretar o [t] como o início de uma sílaba de núcleo vazio,1 ou seja, a palavra, pronunciada devagar, pode corresponder a "quar-te-zo", com e "mudo". É, pois, possível que, em certos falares brasileiros, se ouça, na soletração, "quar-ti-zo" ou "quar-tchi-zo"...
Por último, esclareça-se que, entre as posibilidades referidas, apenas a da alínea b) é válida para a translineação (quart-zo). As outras representam silabificações que têm em conta os aspectos fónicos da palavra e não a grafia desta.
1 M.ª Helena Mira Mateus e Ernesto d´Andrade, em The Syllable Structure in European Portuguese (Delta, vol. 14, n.1, 1998) propõem em português europeu a existência de sílabas com um núcleo vazio que não é realizado foneticamente; por outras palavras, estes linguistas concebem as sílabas como entidades fónicas abstractas (fonológicas) e, entre as estruturas silábicas típicas do português europeu, há um tipo que tem um núcleo sem realização concreta (fonética).