«A cartomante», conto de Machado de Assis, narra a relação amorosa de Camilo com a mulher do seu amigo Vilela. Aquele, após a morte da mãe, ajudado pelo casal, «quis sinceramente fugir» dela, a qual, «como uma serpente, foi-se acercando dele, envolveu-o todo, fez-lhe estalar os ossos num espasmo, e pingou-lhe o veneno na boca. Ele ficou atordoado e subjugado.» O texto abre com visita da «bela Rita» a cartomante, que, quase no final, recebe a de Camilo: a mulher das cartas confirma o esperável, a saber, que Rita gosta de uma pessoa, e o mesmo com Camilo. Só que este passa por lá quando, chamado pelo amigo, se dirige à casa do casal. Os pressentimentos não são os melhores, após uma história de cartas anónimas que descobriam aquele amor clandestino; mas Camilo fica aliviado, isto é, toma os desejos por realidades, antes de deparar com a única realidade trágica, que vínhamos adivinhando no crescendo de felicidade e de engano, e nos é oferecida em duas terríveis linhas finais. Narrativa sobre as ilusões do amor assentes na traição (conjugal e de amigo) e alimentadas pela vaidade do coração (que logo aceita o que agradavelmente lhe sabe), o argumento subverte o que se esperava de doce na entrada shakespeariana: de facto, «há mais coisas no Céu e na Terra do que sonha a nossa filosofia». Há, por exemplo, os valores dos outros, que o pecado da luxúria não gosta de considerar. É uma das lições do texto.