Virgílio Catarino Dias - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Virgílio Catarino Dias
Virgílio Catarino Dias
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Virgílio Catarino Dias é licenciado em Filologia Clássica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e Mestre em língua portuguesa e didáctica pela UBI. Fez Estudos Humanísticos nos Jesuítas (9 anos), onde, entre outros, foi aluno de João Mendes (Literatura Portuguesa) e de António Freire (Latim e Grego). Prepara a publicação de uma Gramática Explicativa da Língua Portuguesa.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Na frase «Um pedaço de terra mudou de lugar!»:

a)A forma verbal mudou é verbo transitivo indireto?

b) Qual a classificação sintática de «de lugar»? Objeto indireto? E o de?

Resposta:

«Mudar de lugar.»

Será que o verbo mudar, nesta frase, é transitivo indireto?

Transitivos são verbos de cuja grelha argumental constam, no mínimo, dois lugares (dois argumentos): um, externo, o sujeito; outro, interno, o seu complemento.

Nota: os argumentos são internos ou externos em relação ao predicado. Por isso, o sujeito é, sempre, um argumento externo (não faz parte do predicado) e os complementos de regência verbal, preposicionados ou não, são argumentos internos (fazem parte do predicado). Na frase «Um pedaço de terra mudou de lugar» temos um argumento externo («um pedaço de terra»); e um argumento interno: o constituinte preposicionado («de lugar»).

A análise sintática da frase é, pois, como segue:

Suj.: «Um pedaço de terra»; pred.: «mudou de lugar»; «de lugar»: complemento preposicionado de regência verbal (circunstancial de lugar donde). Feita esta análise, tornar-se-á mais compreensível a nossa resposta.

Considera-se, em geral, que:

– é indireta a transitividade que se realiza mediante preposição, como acontece na frase: «Um pedaço de terra mudou de lugar

– e que é direta a transitividade que se realiza sem recurso a qualquer preposição, assim: «João mudou a sua vida a partir daquele dia.»

Com tais premissas, a resposta à sua dúvida só pode ser uma: sim, o verbo mudar, nessa frase, é transitivo indireto.

Mas… a nossa noção de transitividade não é bem essa.

É inegável que tão gramatical é a frase: «Um pedaço de terra mudou de lugar» como a frase «João mudou a sua vida». Logo, o verbo mudar, como muitos outros, pode ser uma coisa e o seu contrário, ou seja, é transitivo direto e indireto.

Para nós, quanto à transitividade, os verbos são, apenas, transitivos ou intransitivos – e não andam a mudar de cara d...

Pergunta:

Gostaria de saber a função sintática do pronome oblíquo átono me na seguinte oração: «Não me aperte o braço.»

Pensava que se referia a adjunto adnominal do nome braço, uma vez que posso reescrever: «Não apertes o meu braço.»

Entretanto, segundo o gramático Napoleão Mendes de Almeida, em sua Gramática Latina, 19.ª edição, p. 22, não se deve classificar assim o referido pronome.

Como poderia classificá-lo segundo as gramáticas normativas de Portugal e do Brasil?

Resposta:

«Não me aperte o braço.»

Nesta frase, o pronome pessoal me refere inequivocamente o braço do falante, e equivale ao possessivo meu: «Não aperte o meu braço.»

Este pronome pessoal  exprime uma ideia de posse; a sua função sintática é descrita como dativo possessivo ou simpatético.

Porquê?

O complemento indireto é, tipicamente, um sintagma nominal (SN) precedido de a – e exprime o beneficiário dum verbo de transferência. «O Pedro deu um livro à sua prima.» Na frase que estudamos, o pronome pessoal não é, formalmente, um complemento indirecto — mas, em latim, iria para dativo. Chamou-se-lhe, por isso, dativo possessivo ou simpatético.

Como o consulente refere, aquele pronome pessoal não pode, de facto, ser tomado como adjunto adnominal. Como o nome indica, adjunto a um nome será uma palavra que se lhe junta para lhe modificar o significado — e é o caso dos adjetivos, dos quantificadores, de muitos constituintes preposicionados e, até, das orações relativas.

Teríamos um adjunto adnominal na frase: «Não aperte o meu braço.»

O facto de «não me aperte o braço» equivaler a «não aperte o meu braço» não confere ao pronome pessoal me a possibilidade de ser descrito como adjunto nominal.

Pergunta:

Na frase «O sorriso da Menina iluminou-se», qual é o sujeito e qual é o grupo nominal?

Eu creio que o sujeito é «o sorriso», e o grupo nominal, «a menina», mas posso estar enganado. O que fazer para distinguir um do outro?

Resposta:

Na frase «O sorriso da Menina iluminou-se», o sujeito é «o sorriso da Menina». O grupo nominal é, igualmente, «o sorriso da Menina».

Estabeleçamos uma diferença clara entre os dois conceitos.

O sujeito é uma função sintática. É sujeito aquele constituinte que impõe ao predicado o seu género e número. Na prática, identificamos o sujeito perguntando ao verbo: quem é que…?

Na frase «O sorriso da Menina iluminou-se», façamos a pergunta: quem é que se iluminou? E a resposta será: foi o sorriso da Menina. Então, «o sorriso da Menina» é o sujeito.

Na frase, o sujeito é o ser, a pessoa, a coisa ou o facto sobre o qual se faz uma declaração.

Ao falarmos em grupo nominal (GN) ou em sintagma nominal (SN), não estamos a falar da frase. Estamos só a referir-nos à categoria morfológica individual de cada grupo que entra na sua formação. A frase não é uma sucessão de palavras, mas de grupos de palavras.

Quando, num grupo de palavras, a palavra principal (o seu núcleo) é um substantivo (um nome), dizemos que esse grupo sintático é um grupo nominal (GN).

As funções sintáticas (sujeito, predicado, predicativos, complementos e adjuntos) são desempenhadas por grupos ou sintagmas, que serão nominais, quando o seu núcleo for um nome; verbais, quando o seu núcleo for um verbo. E há, ainda, grupos adjetivais (GAdj.), grupos adverbiais (GAdv.) e grupos preposicionais (GP).

A função de sujeito, na frase em análise, é desempenhada por um GN («o sorriso da Menina»).

Logo, GN e sujeito, nesta frase, são conceitos coincidentes.

Se classificarmos «o sorriso da Menina» pela sua função sintática, diremos que é sujeito; se considerarmos a natureza categorial das palavras que formam esse grupo, falaremos de um grupo nominal (GN), pois a sua palavra principal, o seu núcleo, é um nome ou substantivo («o sorriso»).

E já vimos claramente que, como uma moeda, assim cada sintagma ou grupo sintático tem duas faces: a face...