Pedro Mateus - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Pedro Mateus
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Pedro Mateus, licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, Estudos Portugueses e Franceses, pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa; mestrado em Literaturas Românicas, na área de especialização Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea pela mesma Faculdade.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Hoje, muita gente diz «língua de Camões», em vez de «língua portuguesa». É correto isso?

Resposta:

Tendo em conta que Luís Vaz de Camões é de nacionalidade portuguesa, escreveu em português, tem um estatuto ímpar enquanto expoente máximo da língua portuguesa, existindo até um feriado nacional dedicado, em parte, à sua memória — Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas —, parece-me realmente ajustada a expressão mencionada pelo caro consulente.

Pergunta:

Reformulo, sucintamente, esta questão:

É aceitável dizer-se «Se Portugal tem sido mais cuidadoso, não estaríamos nesta situação» (que se ouve recorrentemente) em vez de «Se Portugal tivesse sido mais cuidadoso, não estaríamos nesta situação»?

Resposta:

De acordo com Mateus e outros, Gramática da Língua Portuguesa, p. 159, o pretérito perfeito composto «apresenta algumas especificidades em português. Com efeito, o pretérito perfeito composto não marca perfetividade, nem claramente tempo passado, mas antes a duração de uma situação iniciada no passado e que continua no presente (da enunciação), podendo ainda apresentar uma leitura de iteratividade [...]».

Deste modo, parece-me ser aceitável a construção proposta pelo caro consulente, pois a opção pelo pretérito mais-que-perfeito do conjuntivo — tivesse sido — aprisiona, por assim dizer, a ação no passado, ao passo que o uso do pretérito perfeito composto do indicativo – «tem sido» – liberta a ação, permitindo que esta se prolongue sensivelmente até ao tempo da enunciação. Esta última construção como que presentifica a ação, conferindo-lhe até, possivelmente, um maior grau de gravidade e de seriedade.

Pergunta:

Quais as regras para a grafia do nome das marcas e modelos de produtos estrangeiros, comuns na linguagem corrente? Sei que os estrangeirismos devem estar entre aspas ou em itálico, mas como devem ser acomodados os números e versões de modelos dos produtos? Estarão correctas as seguintes grafias?

«Eu tenho um "iPod nano".»

«Ele tem um "Renault Mégane 1.5 DCI".»

Mais especificamente: dever-se-á manter a capitalização do P em "iPod"? Dever-se-á incluir nas aspas o "1.5 DCI" em "Renault Mégane 1.5 DCI"?

Vi aqui numa resposta que os nomes próprios estrangeiros já não precisam de estar em itálico ou entre aspas, como no exemplo dado do produto Word. Isso também se aplica a "iPod"?

Na grafia de estrangeirismos usados na linguagem corrente e referentes a marcas e respectivos modelos, dever-se-á manter a capitalização original dos nomes dos produtos? Escreve-se: «um "ipod" nano», ou um «"iPod" nano»? E deveremos grafar o nome composto entre aspas?

Resposta:

Segundo a Base XXI do Acordo Ortográfico de 1990, «[...] pode manter-se a grafia original de quaisquer firmas comerciais, nomes de sociedades, marcas e títulos que estejam inscritos em registo público».

Assim, julgo que os referidos nomes deverão ser escritos respeitando integralmente a grafia com que foram registados, sem ser obrigatório, do meu ponto de vista, recorrer a aspas ou a qualquer outra forma de destaque: Renault Mégane 1.5 dCi e iPod nano.

Pergunta:

Antes de mais, gostaria de expressar o meu reconhecimento pelo excelente e útil trabalho desenvolvido no Ciberdúvidas.

O interesse de há muito pela língua portuguesa (sobretudo nos detalhes mais incómodos) e o facto de trabalhar na área do novo acordo levam-me a acompanhar atentamente as respostas que vão sendo dadas neste espaço e as publicações que vão saindo.

Assim, acabei de adquirir a obra Acordo Ortográfico 2011 – O Que Mudou no Português Europeu, de Isabel Lopes e Ana Teresa Peixinho. Antes de publicar no meu blogue uma apreciação, gostaria de saber também a vossa opinião em relação aos aspetos que considero menos positivos neste manual e que passo a expor.

1. Relativamente aos pontos cardeais, diz-se (pág. 24) que se mantém a maiúscula «quando se referem a regiões».

Observação: Ao contrário do AO45, o texto não refere regiões. Parece-me ser excessivamente simplista esta interpretação do «empregados absolutamente». Por outro lado, ela não explica que devamos escrever «Vou para o Norte» e «Vou para o norte de Portugal».

2. No uso facultativo de maiúsculas e minúsculas (pág. 25), apresenta-se o exemplo Praça da República vs. praça da república.

Observação: O NAO refere a opcionalidade na “categorização” do logradouro, pelo que a palavra República tem de manter a maiúscula, como acontece neste exemplo dado no texto do Acordo: Largo ou largo dos Leões.

No que diz respeito aos pontos 1, 2, 5, 6 e 7, concordo inteiramente com as conclusões do caro consulente, parecendo-me que as mesmas se encontram plasmadas de forma muito clara no texto do Acordo Ortográfico (AO) de 1990.

Relativamente ao ponto 3:

– a palavra sectorização é apresentada, no Priberam e no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Porto Editora, por exemplo, como tendo dupla grafia pelo AO de 1990: setorização ou sectorização. Repare-se que se passa o mesmo com o vocábulo setor/sector (Margarita Correia, AO da Língua Portuguesa, ILTEC, p. 35).

– a palavra sumptuoso é apresentada, no Priberam e na Wikipédia, por exemplo, como tendo dupla grafia pelo AO de 1990: sumptuoso/suntuoso.

É ainda de valorizar o facto de o Lince – Conversor para a nova ortografia, desenvolvido pelo ILTEC, aceitar como correta...

Pergunta:

Qual é o ponto de vista, ou seja, o que fala a linguista Mira Mateus sobre os complementos e os adjuntos?

Resposta:

Na Gramática da Língua Portuguesa, de Maria Helena Mira Mateus e outros, 2003 (p. 294), considera-se que se chama «relações oblíquas [...] às relações gramaticais que não são centrais». Assim, «têm relações gramaticais oblíquas tanto argumentos obrigatórios» — ex.: «O João pôs o livro [na estante]» — «e opcionais» — ex.: «O Pedro viajou [do México] [para Lisboa]» — «do predicador verbal (i. e., complementos do verbo) como adjuntos» — ex.: «O meu amigo pintou esse quadro [para a Maria].» Assim, para distinguir oblíquos complementos de oblíquos adjuntos, propõem as referidas autoras a utilização dos seguintes testes:

«Os constituintes com relações gramaticais oblíquas que são complementos do verbo não podem ocorrer numa interrogativa segundo o esquema O que é que SU fez OBL?/O que é que aconteceu a SU OBL?, sendo a resposta mínima não redundante o SV constituído pelo verbo e pelos respectivos complementos» (p. 294) — ex.: «P: *O que é que o João fez [na estante]?/R: *Pôs o livro; *O que é que o Pedro fez [do México] [para Lisboa]?/*R: Viajou» (o asterisco significa agramaticalidade). Por outro lado, ainda segundo Mateus e outros, op. cit., «os constituintes com relações gramaticais oblíquas que sejam adjuntos podem ocorrer numa interrogativa segundo o esquema O que é que SU fez OBL?/O que é que aconteceu a SU OBL?, sendo a resposta mínima não redundante o SV constituído pelo verbo e pelos respectivos complementos» — ex.: «P: O que é que o meu amigo fez [para a Maria]?/R: Pintou esse quadro» (p. 295).

Deste modo, podemos arriscar uma breve sistematização, ainda que algo impressionista:

complementos e adjuntos são co...