Pedro Mateus - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Pedro Mateus
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Pedro Mateus, licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, Estudos Portugueses e Franceses, pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa; mestrado em Literaturas Românicas, na área de especialização Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea pela mesma Faculdade.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Estou com uma dúvida relativa à seguinte frase: «Como efeito, afirma-se que a nação brasileira está progredindo à medida que fortalece suas raízes...» Há vírgula após «progredindo»?

Resposta:

O conetor não correlativo «à medida que» é comportado pelas designadas orações subordinadas proporcionais (= à proporção que; enquanto, sendo que este surge associado a um valor temporal), ex.: «Enquanto as pessoas avançam na montanha, a respiração torna-se mais difícil» (Mateus e outros, Gramática da Língua Portuguesa, p. 765; Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, p. 585).

Deste modo, e de acordo com Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática da Língua Portuguesa (p. 645), a colocação da vírgula só será fortemente aconselhada se a oração subordinada surgir «anteposta à principal», ex.: «Como efeito, à medida que fortalece suas raízes, afirma-se que a nação brasileira está progredindo.» Não estando anteposta à principal, a opção pela vírgula não será, portanto, obrigatória.

Pergunta:

Gostaria de saber qual/quais a(s) alternativa(s) correta(s), estando os verbos conjugados de acordo com a norma culta:

A) «Eu me precavejo dos resfriados com boa alimentação.» (precaver)

B) «Nós reouvemos os objetos roubados na rua.» (reaver)

C) «Desse jeito, ele fale a loja do pai.» (falir)

D) «O príncipe branda a sua espada às margens do rio.» (brandir)

E) «Os jardins florem na primavera.» (florir)

Resposta:

Quase todos os verbos sugeridos pelo estimado consulente são defetivos, isto é, a sua «conjugação é incompleta, uma vez que não flexiona em todas as formas possíveis num paradigma flexional regular» (Dicionário Terminológico, DOMÍNIO B.2: MORFOLOGIA). Assim, quase nenhum deles suporta, por exemplo, algumas das pessoas do presente do indicativo e do presente do conjuntivo. Deste modo, terão de ser equacionadas outras eventuais soluções que garantam, naturalmente, o objetivo semântico pretendido. 

A) «Eu me acautelo/acautelo-me dos resfriados com boa alimentação.»

B) «Nós recuperamos/recuperámos os objetos roubados na rua.»

C) «Desse jeito, ele leva à falência a loja do pai.»

D) «O príncipe brande [e não «branda»] a sua espada às margens do rio.» 

Nota: No caso do verbo brandir, os dicionários brasileiros consultados (ex.: Dicionário Houaiss, Aulete Digital, Aurélio) apresentam-no como não conjugável apenas na 1.ª pessoa do singular do presente do indicativo e em todo o presente do conjuntivo. Os dicionários portugueses consideram válidas todas as pessoas de todos os tempos, tal como acontece com qualquer verbo do português. De qualquer das formas, a frase apresentada será considerada correta, pois o verbo encontra-se conjugado na 3.ª pessoa do singular do presente do indicativo. Ainda assim, podemos propor a seguinte opção: «O príncipe empunha a sua espada nas margens do rio.» 

Pergunta:

Ensinar e aprender podem ser considerados antónimos?

Resposta:

De acordo com o E-Dicionário de Termos Literários, coordenado pelo professor Carlos Ceia, a antonímia «refere-se à relação entre unidades de sentido contrário. Essas unidades pertencem à mesma categoria sintática e opõem-se no interior de uma classe semântica, ou melhor, possuem traços semânticos comuns, mas ao mesmo tempo apresentam outros traços que se opõem entre si. Por exemplo, o par subir e descer tem em comum o traço deslocação, mas subir implica para cima, enquanto descer implica para baixo.

«A relação de antonímia pode estabelecer-se entre palavras de radicais diferentes como bom e mau, entre palavras com a mesma raiz, tendo, uma, um prefixo negativo que cria a oposição, como acontece com contente e descontente e ainda entre palavras com a mesma raiz às quais se acrescentam prefixos de significação contrária, como é o caso de incluir e excluir».

Deste modo, não me parece que o binómio lexical proposto pelo caro consulente se possa enquadrar na definição proposta, pois julgo que não se pode estabelecer uma verdadeira oposição entre os dois vocábulos.

Pergunta:

Boas, a minha questão envolve o uso de diferentes tempos verbais numa frase. Dois exemplos:

«Gostaria eu de falar-te face a face. Mas temo que não conseguisse expressar nem um pouco.»

«Confio que usarás com sabedoria esta informação. Foi a primeira vez que falei de mim a alguém que amasse desta forma.»

Estão essas frases correctas? Se não, qual a forma correcta?

Resposta:

«Gostaria/gostava eu de falar-te face a face. Mas temo que não me conseguisse expressar nem um pouco.»

O condicional (gostaria) e o pretérito imperfeito do conjuntivo (conseguisse) parecem-me compatíveis, ainda que o primeiro surja aparentemente algo formal, tendo em conta o enquadramento, podendo talvez ser substituído pelo pretérito imperfeito do indicativo (gostava).

«Confio que usarás com sabedoria esta informação. Foi a primeira vez que falei de mim a alguém que amasse desta forma.»

Todos estes tempos verbais estão, na minha ótica, bem usados e coordenados. O único que poderia, eventualmente, levantar algum tipo de dúvidas seria talvez o pretérito imperfeito do conjuntivo (amasse). Porém, a sua utilização é, do meu ponto de vista, legítima e até corrente em enquadramentos deste tipo: «Ele duvidou de que os miúdos recebessem o prémio; Ele lamentou que a Maria perdesse o emprego; Ele exigiu que os concorrentes lessem as instruções; Ele desejou que telefonasses para casa» (Mateus e outros, Gramática da Língua Portuguesa, pp. 269-270). Neste contexto, julgo que o presente do conjuntivo (ame) ou até o presente do indicativo (ama) seriam igualmente opções válidas.

Pergunta:

No contacto diário com a língua escrita, facilmente constatamos uma certa anarquia na área da pontuação. Sabemos que o emprego dos sinais de pontuação oferece uma considerável margem de liberdade, que a subjetividade desempenha um papel importante; no entanto, sentimos que algo deveria ser feito no sentido de uma maior uniformização de critérios…

As gramáticas portuguesas não concedem ao assunto a importância que ele merece, limitam-se a uma apresentação sumária e superficial, manifestamente insuficiente.

Estes fatores alimentam a indecisão, a dúvida e, mesmo, a ignorância, atingindo, inclusive, aqueles que mais de perto lidam com a língua: os docentes.

É deste âmbito a situação que passo a expor, solicitando o vosso contributo.

Nas atas das reuniões de avaliação, são frequentes as enumerações. Nestas, é mencionado o número do aluno, seguido do respetivo nome (primeiro e último), naturalmente separados pela vírgula. O que, muitas vezes, se passa é que se usa a vírgula para separar os vários alunos entre si…

Não invalidando sumariamente esta opção, parece-me preferível optar pelo uso do ponto e vírgula para separar estes elementos. Isto contribuirá para uma melhor clareza do texto, evitando a excessiva repetição deste sinal de pontuação e eliminará uma certa ambiguidade. Embora a ata, texto normativo, não tenha as preocupações estéticas do texto literário, isso não impede que procuremos construir um texto agradável e, neste aspeto, ele sairá largamente beneficiado.

Tendo manifestado, em contexto escolar, esta minha posição, fui objeto de grande contestação, junto dos colegas de Português (minha área disciplinar). O ponto e vírgula é usado para «separar os diversos itens de enunciados enumerativos» (Cunha e Cintra,

Resposta:

Julgo que o consulente já respondeu, de forma sensata e sustentada, às questões por si próprio apresentadas, sendo que concordo inteiramente com o raciocínio exposto a propósito do uso da vírgula e do ponto-e-vírgula nos enquadramentos mencionados.

Por outro lado, devo dizer que me parecem pertinentes as reflexões tecidas, pelo caro consulente, a propósito da evidente escassez de instrumentos reguladores e descritivos ao nível do uso da pontuação — sobretudo (direi eu) no que diz respeito à colocação das vírgulas — no português escrito, o que acaba por desembocar numa «certa anarquia», ou, pelo menos, na sensação da existência de uma «certa anarquia».

A este propósito, atente-se no seguinte exemplo, que me parece paradigmático: uma das instruções de correção dadas pelo Gabinete de Avaliação Educacional (GAVE)1 aos professores corretores dos Exames Nacionais de Língua Portuguesa e de Português (3.º ciclo e ensino secundário, respetivamente) é a seguinte — «é fator inequívoco de desvalorização o facto de, nos itens de construção e de resposta extensa, o examinando não colocar vírgula antes da conjunção coordenativa adversativa mas.» Esta instrução rígida é sustentada nas reflexões tecidas por Lindley Cintra e Celso Cunha, na Nova Gramática do Português Contemporâneo, p. 643: «[...] põe-se uma vírgula antes da conjunção [mas].» Refira-se igualmente que, de acordo com os critérios gerais de correção das provas referentes ao 3.º ciclo, por exemplo, a existência de 2 erros inequívocos de pontuação2 (nos quais se enquadra, de acordo com o GAVE, aquele que estamos aqui a analisar) gera desconto de 1 ponto percentual, sendo que 3 erros inequívocos de pontuação levam ao desconto de 2 pontos percentuais em cada um dos itens de con...