Pergunta:
No contacto diário com a língua escrita, facilmente constatamos uma certa anarquia na área da pontuação. Sabemos que o emprego dos sinais de pontuação oferece uma considerável margem de liberdade, que a subjetividade desempenha um papel importante; no entanto, sentimos que algo deveria ser feito no sentido de uma maior uniformização de critérios…
As gramáticas portuguesas não concedem ao assunto a importância que ele merece, limitam-se a uma apresentação sumária e superficial, manifestamente insuficiente.
Estes fatores alimentam a indecisão, a dúvida e, mesmo, a ignorância, atingindo, inclusive, aqueles que mais de perto lidam com a língua: os docentes.
É deste âmbito a situação que passo a expor, solicitando o vosso contributo.
Nas atas das reuniões de avaliação, são frequentes as enumerações. Nestas, é mencionado o número do aluno, seguido do respetivo nome (primeiro e último), naturalmente separados pela vírgula. O que, muitas vezes, se passa é que se usa a vírgula para separar os vários alunos entre si…
Não invalidando sumariamente esta opção, parece-me preferível optar pelo uso do ponto e vírgula para separar estes elementos. Isto contribuirá para uma melhor clareza do texto, evitando a excessiva repetição deste sinal de pontuação e eliminará uma certa ambiguidade. Embora a ata, texto normativo, não tenha as preocupações estéticas do texto literário, isso não impede que procuremos construir um texto agradável e, neste aspeto, ele sairá largamente beneficiado.
Tendo manifestado, em contexto escolar, esta minha posição, fui objeto de grande contestação, junto dos colegas de Português (minha área disciplinar). O ponto e vírgula é usado para «separar os diversos itens de enunciados enumerativos» (Cunha e Cintra,
Resposta:
Julgo que o consulente já respondeu, de forma sensata e sustentada, às questões por si próprio apresentadas, sendo que concordo inteiramente com o raciocínio exposto a propósito do uso da vírgula e do ponto-e-vírgula nos enquadramentos mencionados.
Por outro lado, devo dizer que me parecem pertinentes as reflexões tecidas, pelo caro consulente, a propósito da evidente escassez de instrumentos reguladores e descritivos ao nível do uso da pontuação — sobretudo (direi eu) no que diz respeito à colocação das vírgulas — no português escrito, o que acaba por desembocar numa «certa anarquia», ou, pelo menos, na sensação da existência de uma «certa anarquia».
A este propósito, atente-se no seguinte exemplo, que me parece paradigmático: uma das instruções de correção dadas pelo Gabinete de Avaliação Educacional (GAVE)1 aos professores corretores dos Exames Nacionais de Língua Portuguesa e de Português (3.º ciclo e ensino secundário, respetivamente) é a seguinte — «é fator inequívoco de desvalorização o facto de, nos itens de construção e de resposta extensa, o examinando não colocar vírgula antes da conjunção coordenativa adversativa mas.» Esta instrução rígida é sustentada nas reflexões tecidas por Lindley Cintra e Celso Cunha, na Nova Gramática do Português Contemporâneo, p. 643: «[...] põe-se uma vírgula antes da conjunção [mas].» Refira-se igualmente que, de acordo com os critérios gerais de correção das provas referentes ao 3.º ciclo, por exemplo, a existência de 2 erros inequívocos de pontuação2 (nos quais se enquadra, de acordo com o GAVE, aquele que estamos aqui a analisar) gera desconto de 1 ponto percentual, sendo que 3 erros inequívocos de pontuação levam ao desconto de 2 pontos percentuais em cada um dos itens de con...