Pedro Mateus - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Pedro Mateus
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Pedro Mateus, licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, Estudos Portugueses e Franceses, pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa; mestrado em Literaturas Românicas, na área de especialização Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea pela mesma Faculdade.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual o significado dos seguintes provérbios?

1. «Tantas vezes vai o cântaro à fonte, que algum dia lá deixa a asa.»

2. «Quem te manda a ti, sapateiro, tocar rabecão?»


Resposta:

1. «Tantas vezes cometemos os mesmos erros, ou mesmo atos, que algum dia sofremos as consequências desses erros» é o significado do primeiro provérbio, como regista Madeira Grilo, no seu Dicionário de Provérbios, mas com esta outra formulação: «Tantas vezes o cântaro vai à fonte que (no fim) lá deixa a asa.». Mas há ainda outras: «Tantas vezes vai o cântaro à fonte que se quebra», «Tantas vezes vai o cântaro ao poço, até que lá lhe fica o pescoço» ou «Tantas vezes vai a caldeirinha ao poço que lá fica o pescoço».  Ou ainda: «Tantas vezes vai o pote à fonte que duma vez quebra» e «Tantas vezes vai a bilha à fonte até que se quebra».

Outros provérbios com o mesmo sentido: «Tantas vezes vai o cão ao moinho que alguma vez lá lhe fica o focinho», «Tantas vezes vai o porquinho que lá lhe fica o focinho» e «Tantas vezes a mosca vai ao leite (até) que lá fica»1. 

2. Quanto ao segundo provérbio — «Quem te manda a ti, sapateiro, tocar rabecão?» —, ele é aplicado, por exemplo, a pessoas que, não tendo conhecimentos suficientes, se atrevem a falar sobre determinados assuntos, que fazem afirmações sobre temas que claramente não dominam, arriscando-se, por isso, a cometer erros grosseiros.

1In O Livro dos Provérbios Portugueses, de José Ricardo Marques da Costa, Lisboa, Editorial Presença, e O Grande Livro dos Provérbios, de José Pedro Machado, Lisboa, Editorial Notícias.

 

Cf. «Tantas vezes vai o cântaro à fonte que um dia lá deixa a asa» e «Quem te mandou a ti, sapateiro, tocar rabecão?» II, na rubrica O Nosso Idioma.

Pergunta:

Gostaria de saber, por favor, se uma recensão crítica é o mesmo que análise crítica.

Resposta:

A recensão crítica (frequentemente associada ao campo dos estudos literários) «é um trabalho de apresentação de uma obra literária, concentrando-se no seu conteúdo e no contexto em que a obra surge a público» (sítio oficial da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – FCSH).

A análise crítica será algo bastante mais vasto e caleidoscópico, podendo reportar-se a múltiplos assuntos ou áreas, tais como contratos, projetos, requisitos, etc.

Pergunta:

Gostaria de saber o significado de «ópio social». Já li algumas descrições, porém, não explicavam de modo claro.

Resposta:

A expressão «ópio do povo» (ou «ópio social») tem origem numa obra de Karl Marx intitulada Crítica da Filosofia do Direito de Hegel, e a passagem exata é a seguinte:

«A miséria religiosa é, de um lado, a expressão da miséria real e, de outro, o protesto contra ela. A religião é o soluço da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração, o espírito de uma situação carente de espírito. É o ópio do povo» (tradução de Eduardo Velhinho).

Deste modo, como se pode verificar, a referida expressão quererá significar (de forma necessariamente simplista e até algo descontextualizada), na sua origem, que a religião funcionará como uma espécie de alívio ilusório, no que diz respeito ao sofrimento dos pobres, remetendo-se, como facilmente se perceberá, para os efeitos conhecidos do ópio: um forte poder hipnótico e euforizante, que alivia dores e sofrimentos.

Posteriormente, esta sugestiva expressão acabou por entrar no discurso quotidiano, quase se esquecendo a sua origem, digamos, político-filosófica. Hoje, por exemplo, é comum ouvir-se expressões do tipo «o futebol é o ópio do povo», «a política é o ópio do povo», ou «a televisão é o ópio do povo». Estas são, naturalmente,...

Pergunta:

Gostaria de saber a resposta desta questão:

«Desejamos que todos os funcionários aproveitem as férias e uma boa estada no hotel da empresa.»

a) Tendo em vista que no texto acima falta paralelismo sintático, reescreva-o mantendo o mesmo sentido e fazendo as alterações necessárias para que o paralelismo se estabeleça.

b) Justifique detalhadamente as alterações efetuadas.

Resposta:

a) «Desejamos que todos os funcionários aproveitem as férias e que tenham uma boa estada no hotel da empresa.»

b) A ausência de «paralelismo sintático» é claramente detetável no desequilíbrio plasmado na oração coordenada «e uma boa estada no hotel da empresa», já que esta parece surgir algo desgarrada da oração «Desejamos que todos os funcionários aproveitem as férias». No fundo, o enunciador deste excerto pretende dizer, através da utilização de uma estrutura coordenada, o seguinte:

1) Desejamos que todos os funcionários aproveitem as férias;

2) Desejamos que todos os funcionários tenham uma boa estada no hotel da empresa.

Porém, a forma como a frase se encontra construída não nos permite dela retirar, de forma líquida, os dois objetivos elencados em 1) e 2), mas apenas o que se encontra discriminado em 1).

Na verdade, podemos até, no limite, considerar que o enunciado transcrito se encontra incompleto (tendo em conta a forma marginal e desequilibrada como está construído), podendo a segunda sequência da frase — «e uma boa estada no hotel da empresa» — referir-se eventualmente a outra entidade que não «os funcionários», ex.: «Desejamos que todos os funcionários aproveitem as férias e uma boa estada no hotel da empresa [a todos os nossos clientes].»

Deste modo, para que a frase transcrita adquira uma eficácia semântica compatível com o objetivo pretendido, será necessário calibrá-la do ponto de vista sintático, repescando «os funcionários» da primeira oração, através da forma verbal «tenham». Assim, as duas orações coordenadas acabarão por ter uma estrutura gramatical idêntica, recupera...

Pergunta:

Aproveito para expor o seguinte diálogo retirado de uma reportagem da SIC a propósito do consumo de sopa em Portugal. A minha dúvida incide sobre a palavra tipo, que aqui não entendo o seu significado:

Jornalista (dirigindo-se a uma senhora): Come sopa?

Entrevistada: Como.

Jornalista: Tipo, todos os dias, ou uma vez por mês...?

Entrevistada: Não, uma vez por semana.

Muito obrigado pela preciosa ajuda no esclarecimento de tantas dúvidas.

Resposta:

A palavra tipo, no contexto mencionado, é, atualmente, bastante utilizada, em situações informais, sobretudo pelas camadas mais jovens da população portuguesa. Porém, tenho verificado que a mesma começa igualmente, de forma progressiva, a ser usada por pessoas pertencentes a faixas etárias mais elevadas. O seu uso é já tão comum — e até descontrolado —, que se podem encontrar, na Internet, espaços em que se debate a quantidade de vezes que determinada pessoa usa a referida expressão por dia. É também frequente fazer acompanhar a expressão em análise pela palavra assimtipo, assim»).

Ao ser usada com algum bom senso, digamos, a palavra tipo, no enquadramento que nos encontramos a analisar, terá muitas semelhanças com uma outra: estilo. Ex.: «Eu gosto de carros grandes, estilo/tipo Mercedes.» Contudo, o que verificamos é que o seu uso já extrapolou, em muito, esta aceção, e hoje diria que é quase impossível vislumbrar um significado coerente da mesma, tal é o número de contextos em que pode ocorrer, ex.: «Tipo, hoje não me sinto bem»; «Apetece-me, tipo, ir à praia»; «Eu vou a casa, tipo, 5 segundos, e já volto». Quase que podemos dizer que tipo é usado por tudo e por nada, sendo recorrente, do ponto de vista oral, atualmente, em quase todo o género de enunciados: «Tipo, ontem estava deitado e apeteceu-me falar contigo e mandar-te uma mensagem»; «Nunca sentiste, tipo, que estás apaixonado?»

Ora, é justamente neste enquadramento (se é que se pode aqui falar de enquadramentos) que a referi...