Maria Regina Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

A interjeição tem uma função sintática na oração?

Resposta:

A interjeição é uma palavra por meio da qual exprimimos um estado emotivo. Tem muitas vezes existência autónoma, traduzindo todo um pensamento e equivalendo a uma oração. Por si só, a interjeição não tem função sintáctica na oração. Poderá integrar um termo da oração, como a interjeição “ó”, que serve para formar o vocativo.

Pergunta:

A que classe gramatical pertence a palavra "Ora" no seguinte contexto: «Ora, a harmonia...»?

Resposta:

Embora não seja apresentado todo o contexto, interpreto que este “ora” inicia um período e estabelece uma ligação entre o conteúdo desse período e o do período anterior. Se assim for, trata-se de uma conjunção.
Essa conjunção tanto pode ser explicativa (ou continuativa) como adversativa. Tratar-se-á de uma conjunção explicativa se a frase que ela introduz explanar ou continuar o sentido da anterior, como, por exemplo: «Ele vai falar de harmonia. Ora, a harmonia é um tema muito interessante, que ele domina bem.» Tratar-se-á de uma conjunção adversativa se equivaler a mas, porém, todavia, contudo, como, por exemplo: «Ele vai falar de harmonia. Ora, a harmonia não é tema que ele domine.»

Pergunta:

Gostaria que me tirassem uma dúvida: O que são categorias linguísticas? Se possível dêem-me alguns exemplos.

Resposta:

Segundo o Dicionário de Termos Linguísticos, da Associação Portuguesa de Linguística e do Instituto de Linguística Teórica e Computacional, categoria é um termo usado em linguística em diferentes níveis de abstracção. A categorização estabelece um conjunto de unidades classificatórias ou propriedades utilizadas na descrição da língua. Estas unidades têm uma distribuição básica constante e ocorrem como unidades estruturais na língua.
O termo categoria pode designar, por exemplo, as classes morfológicas (como o nome, o verbo, o pronome, etc.), que são unidades gerais, ou as propriedades definidoras dessas unidades gerais, como, por exemplo, o número, o género e o caso para a categoria nome, ou o tempo, o modo, a voz, o aspecto, para a categoria verbo.

Pergunta:

Estava lendo "As Pupilas do Senhor Reitor", de Júlio Diniz. Logo ao início, encontro um pai a referir-se assim do filho: "Mas o Daniel já não é assim. Aquilo é outra mãe [...] Um dia de ceifa é bastante para mo matar".

Gostaria, por favor, que me explicassem o sentido dessa frase: "Um dia de ceifa é bastante para mo matar". Qual a função do pronome "mo" nesta frase.

Por que o autor não escreve, simplesmente, "um dia de ceifa é suficiente para matá-lo"?

Agradeço-lhes imenso.

Resposta:

Nesta obra de Júlio Dinis, José das Dornas, ao referir-se ao seu filho Daniel, afirma que ele «já não é assim», ou seja, não é como o irmão, Pedro. Acrescenta que ele é como a mãe («aquilo é outra mãe») e que «um dia de ceifa é bastante para mo matar», revelando que o jovem é frágil, não aguentando o trabalho de um dia a ceifar.

A forma mo é a contracção de dois pronomes pessoais: me e o. O pronome me aqui é o chamado “pronome de interesse” ou “dativo ético ou de proveito”, não desempenhando qualquer função sintáctica. Trata-se de um recurso expressivo que se emprega quando se pretende evidenciar o interesse que o emissor tem no assunto. No caso desta frase, o que acontecesse ao filho (morrer) era como se lhe acontecesse a ele, pai.

Poderia ter sido utilizada a frase «Um dia de ceifa é bastante para o matar», mas nesta frase não se notaria a preocupação do pai em relação ao filho.

Termino registando uma frase que em criança por vezes ouvi minha mãe dizer a meu pai, quando eu corria despreocupadamente, a brincar, debaixo de sol: «Este sol vai-me dar cabo dela.» E chamava-me, para me pôr o chapéu na cabeça. O carinho, a preocupação da mãe em relação à filha (neste caso) levava-a a empregar esse “me”: o que acontecesse à filha é como se lhe acontecesse a ela, mãe.

Pergunta:

  Gostava de saber a vossa opinião a respeito de uma certa M. T. Piacentini, professora de português, que, num ‘site’ brasileiro dedicado à gramática da língua portuguesa, dá o seguinte exemplo de infinitivo pessoal:
   «Ficaremos mais satisfeitos a cada novo produto que fabricarmos.»
   Cá, em França, entre os nossos estudantes, confundir o infinitivo pessoal com o futuro do conjuntivo é considerado erro de palmatória.
   E lá?

Resposta:

   Na frase citada é, efectivamente, utilizado o futuro do conjuntivo, e não o infinitivo pessoal. A confusão adveio, certamente, do facto de se tratar de um verbo regular, pois nos verbos regulares as formas dos dois tempos são iguais, o que pode levar a erros em pessoas menos conhecedoras. Pelo contrário, em muitos dos verbos irregulares, as formas do infinitivo pessoal e do futuro do conjuntivo são diferentes, pelo que pode evitar-se tal confusão nos alunos sugerindo-lhes que substituam o verbo em análise por um irregular cujo futuro do conjuntivo não lhes ofereça dúvidas (por exemplo, o dos verbos ser, ter, fazer, trazer, ir).
   Na frase que apresenta («Ficaremos mais satisfeitos a cada novo produto que fabricarmos»), se se substituir o verbo “fabricar” por “ter”, por exemplo, de imediato se verifica que não se trata do infinitivo pessoal. As formas do infinitivo pessoal do verbo “ter” são ter (eu), teres (tu), ter (ele), termos (nós), terdes (vós), terem (eles), enquanto o futuro do conjuntivo é eu tiver, tu tiveres, ele tiver, nós tivermos, vós tiverdes, eles tiverem. Ora, nesta frase, “fabricarmos” pode ser substituído por “tivermos” (futuro do conjuntivo), e não por “termos” (infinitivo pessoal).
   Apresento alguns quadros com as formas do futuro do conjuntivo e do infinitivo pessoal em verbos regulares e irregulares, para esclarecimento de uma eventual dúvida de algum consulente. Um modo de ensinar estes tempos verbais aos alunos consiste em fazer preceder as formas do futuro do conjuntivo de conjunções ou do pronome relativo e de referir as do infinitivo pessoal pospondo o respectivo pronome pessoal, como se faz nos quadr...