Maria Leonor Santa Bárbara - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Maria Leonor Santa Bárbara
Maria Leonor Santa Bárbara
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Professora da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa; doutorada em Literatura Grega pela Faculdade de Letras de Lisboa; traduziu algumas obras sobre cultura grega.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Surgiu-me uma dúvida, mais relacionada com o grego e o latim do que com o português. Um americano perguntou-me por que razão euphonium teria como plural euphonia. Respondi de imediato que isso tinha a ver com a origem latina da palavra: euphonium/euphonia como curriculum/curricula ou medium/media. Alguém me corrigiu, e bem, que euphonium é de origem grega (como eutanásia e telefone), e não latina. Contudo, a questão linguística mantém-se: o plural grego faz-se da mesma forma que o latino ou a palavra tem raiz grega e sufixação latina, donde a forma do plural?

Resposta:

O vocábulo inglês euphonium tem uma origem grega, constituída pelo advérbio "eu" (que significa «bem») e por phônê («voz», «fala») ou phônia («som»). No entanto, de um modo geral, os vocábulos gregos entraram nas línguas modernas por intermédio da forma latina (daí, euphonium, e não euphonion', por exemplo, que seria a forma grega). À semelhança de curriculum e medium, também a forma deste substantivo é neutra. Daí o plural euphonia (neste caso, a forma seria comum ao grego e ao latim, visto que o -a é a desinência indo-europeia para o nominativo neutro do plural, logo, comum às duas línguas).

Uma pequena observação: suplementar o termo euphonium tem uma origem grega na medida em que tem uma raiz grega (é formado por dois elementos gregos), mas não existia em grego nem em latim. Ambas as línguas têm adjectivos que indicam uma bela voz, ou uma voz agradável, doce (euphônos, em Grego), e substantivos (euphônia) que indica um som doce, agradável. 

Euphonium terá sido formado a partir daqui.

Pergunta:

Sabemos que a palavra "olimpíada" é uma medida de tempo, que corresponde a quatro anos – período transcorrido entre os jogos, ou seja, enquanto a famosa tocha é transportada de mão em mão, entre uma e outra sede olímpica. O sentido original deste termo, portanto, nada tem que ver com as competições desportivas em si, que nada mais são que um marco temporal, balizando o início e o fim de uma olimpíada.

Não obstante, nota-se que a uso da palavra "olimpíada", para significar as próprias efemérides desportivas, é uma impropriedade que tem curso não apenas no Brasil (não sei se em Portugal sucede o mesmo), como também em países de fala espanhola – lembro-me como me incomodava o uso oficial desse termo, durante as solenidades de abertura e clausura dos Jogos Olímpicos de Barcelona. Tal não é o caso dos países de língua inglesa ou francesa, onde o normal é dizer "Olympic Games", ou "Jeux Olympiques".

Em que medida se deve legitimar o uso generalizado da palavra "olimpíada", com o sentido desvirtuado que se lhe atribui?

Resposta:

O sentido vernáculo  termo olimpíada é o período de quatro anos entre a realização dos Jogos Olímpicos, em Olímpia. Refiro-me, para que não haja quaisquer dúvidas, aos Jogos Olímpicos gregos, que se realizavam em honra de Zeus. De tal modo o vocábulo "olimpíada" designava uma medida temporal que era frequentemente usado pelos historiadores. Políbio, por exemplo, faz a datação dos acontecimentos que descreve por olimpíadas, subdividindo-as ainda em períodos de dois anos. No entanto, qualquer dicionário de Português nos diz que «olimpíadas», no plural, indica os Jogos Olímpicos modernos que se realizam desde 1896.

Não é de estranhar que assim seja já que o Inglês faz o mesmo com o vocábulo olympiad, que tanto pode designar o período de tempo entre a realização dos Jogos Olímpicos na Grécia antiga, como os actuais Jogos Olímpicos.

 

N.E. – Como se refere em texto posterior a esta resposta – vide Os Jogos Olímpicos de A a Z (4/08/2016 ) –, na designação oficial do Movimento Olímpico e conforme o estatuído por todos os Comités Olímpicos Nacionais, uma olimpíada designa, apenas e só, o período de quatro anos decorridos entre duas celebrações consecutivas dos Jogos Olímpicos, com início em 1 de janeiro do primeiro ano, terminando a 31 de dezembro do quarto ano.

Pergunta:

Qual a origem etimológica do vocábulo crioulo? Os crioulos têm todos a sua génese nas línguas românicas?

Resposta:

Diz-nos Aurélio Buarque de Holanda, no seu Novo Dicionário da Língua Portuguesa, que o vocábulo 'crioulo' tem a sua etimologia no verbo 'criar'. Do mesmo modo, José Pedro Machado (Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa) afirma que 'crioulo' provém de 'criar+-olo', sendo este proveniente do sufixo latino -ollu-. No entanto, Fernando Lázaro Carreter (Diccionario de Términos Filológicos) limita-se a explicar que a expressão 'idioma crioulo' é mera tradução do francês "créole" ou "créoliolisé", que significa 'adaptado às colónias'. Significa isto que crioulo, enquanto designação de um idioma, se refere à adaptação feita de um qualquer idioma europeu como instrumento de comunicação com os indígenas das colónias. Muitas vezes, esta terminologia serve para indicar um idioma misto, ou uma língua franca – ou seja, uma língua usada para o comércio. O idioma crioulo, contudo, é mais do que isso: é uma língua usada, fora da Europa, como único meio de comunicação entre pessoas que possuem línguas distintas.

Isto mesmo é corroborado por Paul Teyssier (