Maria João Matos - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Maria João Matos
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Maria João Matos, professora de Português do ensino secundário, licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Uma pergunta recente sobre a diferença entre progenitor e genitor fez-me lembrar de uma suposta diferença entre antecessor e predecessor. Embora todos os dicionários atuais deem antecessor como sinônimo de predecessor e vice-versa, mostrando, assim, que não há diferença semântica entre estas palavras, houve, todavia, no passado quem sustentasse que antecessor seria o que vem imediatamente antes de alguém num cargo qualquer, enquanto o predecessor seria o que vem antes, porém mediatamente. Assim, se os que sustentavam esta tese estavam certos, o papa Bento XVI teve como antecessor o papa João Paulo II e como predecessores os papas João Paulo I, Paulo VI, Bento XIV, Leão X, Gelásio I, São Lino, São Pedro Apóstolo. Vale registrar ainda que também existiam os que não viam diferença alguma entre as duas palavras: Rui Barbosa, brasileiro cultíssimo, parece ter sido um deles.

Gostaria de saber o que pensa o Ciberdúvidas sobre esta polêmica. Se for da opinião que são iguais, gostaria que me dissesse sobre o acerto de se dizer «antecessor/predecessor imediato/mediato» ou «não-imediato».

Muito obrigado.

Resposta:

Todos os papas referidos foram antecessores (ou predecessores) de Bento XVI. João Paulo II foi o antecessor (ou o predecessor) de Bento XVI.

As palavras são sinónimas e não é costume acrescentar outra palavra para marcar a distinção. Em princípio, se se utiliza o termo no plural, referimo-nos a todos os que vieram antes. No singular, e antecedido do artigo definido, referimo-nos àquele que vem imediatamente antes.

Sobre a polémica mencionada pelo consultor, transcrevemos um excerto da Grande Enciclopédia Luso-Brasileira que, a propósito do termo antecessor, esclarece:

«O Cardial Saraiva (sic), nos seus Sinónimos*, procura estabelecer regras de distinção entre antecessor e predecessor, distinção que a prática dos grandes escritores não confirma nem os dicionários observam.»

 

*Ensaio sobre Alguns Sinónimos da Língua Portuguesa (1821), de D. Francisco de S. Luís Saraiva (1766-1845), mais conhecido como Cardeal Saraiva.

Pergunta:

Encontro no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora o substantivo desrealização, como termo filosófico e psicológico usado para designar, grosso modo, uma certa alienação em relação ao mundo real concreto. Contudo, não encontro o verbo "desrealizar" como indicador da acção do processo de "desrealização". Será incorrecto usar este verbo? Por exemplo: «As imagens televisivas desrealizam o mundo.»

Desde já grato pelo esclarecimento que me possam prestar.

Resposta:

O termo está bem formado (des- + realizar), mas apenas foi possível encontrar dicionarizado desrealização, termo ligado à filosofia, à psicologia, à psicanálise, possivelmente um neologismo, dado que não se encontra na maior parte dos dicionários, mesmo nos de especialidade.

Procurando na Internet, encontra-se o termo desrealização com relativa frequência, bem como o adjectivo desrealizado e, esporadicamente, o próprio verbo desrealizar.

Embora o termo ainda não esteja dicionarizado, não vejo razão para que não se use o verbo desrealizar, se houver necessidade de recorrer ao conceito que lhe corresponde.

Pergunta:

Apesar de ser um tema recorrente, gostaria da opinião objetiva dos consultores sobre a seguinte afirmação encontrada em outra gramática: «Se o infinitivo é complemento de verbo, adjetivo ou substantivo, não devemos flexionar», na qual apresenta os seguintes exemplos:

a) «Ele sempre proíbe os empregados de sair no horário»;

b) «Não estamos dispostos a desistir tão facilmente».

Se considerarmos que em a) o sujeito do verbo «proíbe» é «ele», e o do verbo «sair» é «os empregados», não seria correto flexionar o infinitivo sair? Ou o correto é mesmo não o flexionar, e analisá-lo como integrante da sequência «proíbe de sair». Com relação ao exemplo b), usando o mesmo raciocínio de se identificar o sujeito, percebe-se claramente que só há um, que se encontra subentendido («nós»). Ou aqui cabe a análise de que o infinitivo é complemento do adjetivo «dispostos»?

Resposta:

Analisemos então os exemplos apresentados: 

a) «Ele sempre proíbe os empregados de sair no horário.» 

Embora nesta construção existam dois sujeitos diferentes, o verbo da primeira oração (proibir) é abrangido por uma regra diferente. 

Assim, a forma verbal «sair» está dependente de um verbo causativo (proibir, à semelhança de deixar, mandar, fazer e outros). Segundo Napoleão Mendes de Almeida (Dicionário de Questões Vernáculas), quando se apresenta um infinitivo («sair») com sujeito próprio («os empregados»), dependente de um verbo («proíbe») que tem sujeito próprio («ele»), o infinitivo não se flexiona: 

«Ele sempre proíbe os empregados de sair no horário.» 

Para Evanildo Bechara (Moderna Gramática Portuguesa), esta é também a norma. Em Portugal, no entanto, existe uma maior flexibilidade, pois «costuma ocorrer também a forma flexionada quando entre o auxiliar e o infinitivo se insere o sujeito deste, expresso por substantivo ou equivalente» (Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra): 

«Ele sempre proíbe os empregados de sair no horário» ou...

Pergunta:

Poderiam explicar-me por que razão as gramáticas apresentam as palavras fábrica/fabrica, pôde/pode como homógrafas? Numa resposta anterior, disseram que /ai são parónimas. Estes pares não são todos equivalentes?

Muito obrigada pela resposta.

Resposta:

Há palavras homógrafas não diferenciadas por acento gráfico, colher (colher de chá, verbo colher), molho (molho culinário/feixe de), selo (nome e verbo), e há palavras homógrafas diferenciadas por acento gráfico, como fábrica/fabrica, pôde/pode, /ai. Estas últimas são consideradas, pelo Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, homógrafas imperfeitas. As palavras homógrafas, com ou sem distinção de acento gráfico, são perfeitamente diferenciadas oralmente.

 

As palavras parónimas são aquelas que têm grafia diferente mas pronúncia muito parecida, como comprimento/cumprimento, enformar/informar, perfeito e prefeito.

Note-se, no entanto, que o dicionário brasileiro Houaiss esclarece que inclui entre os parónimos «os vocábulos que se escrevem com as mesmas letras mas que diferem quanto à acentuação gráfica e ao timbre (papéis [pl. papel] e papeis [v. papar]), para os quais também se usa a denominação de homógrafos imperfeitos».

Pergunta:

Gostaria de saber se é correta a frase: «Ela veio fugida da Itália.»

Agradeço.

Resposta:

Sim, a frase está correcta e, sintacticamente, é constituída pelos seguintes elementos: 

Sujeito — «Ela»; 

Predicado — «veio fugida»; 

Predicativo do sujeito — «fugida»; 

Modificador (complemento circunstancial de lugar donde) — «da Itália». 

O verbo vir, nesta frase, é um verbo de ligação (à semelhança de ser, estar, ficar, permanecer, continuar, parecer), cujo sentido é completado pelo predicativo do sujeito. 

Fugida é um adjectivo verbal (particípio passado do verbo fugir). 

Segundo o Dicionário Houaiss, fugido é um adjectivo sinónimo de «sumido, desaparecido»: «Eles andam fugidos.» 

Por analogia, tem também os seguintes significados: 

— que escapou («notícia fugida»); 

— que escorregou, que caiu («facão fugido das mãos»);