Luís Filipe Cunha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Luís Filipe Cunha
Luís Filipe Cunha
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Doutorado em linguística; investigador do Centro de Linguística da Universidade do Porto.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Quando se usa provavelmente, o verbo seguinte irá para o subjuntivo, como no exemplo abaixo?

«Provavelmente, os homens mais poderosos já foram...»

Obrigada.

Resposta:

Ao contrário do que sucede com o adjectivo provável em posição predicativa, que selecciona formas do subjuntivo (conjuntivo, no português europeu), como em «É provável que a Maria venha hoje às aulas» ou «É provável que os homens mais poderosos do país sejam ricos», o advérbio provavelmente combina-se com frases simples no modo indicativo, como em «Provavelmente, a Maria vem às aulas hoje» ou em «Provavelmente, os homens mais poderosos do país são/foram/vão ser ricos».

Sublinhe-se, a este propósito, que o exemplo incluído na pergunta, i. e., «Provavelmente, os homens mais poderosos já foram...» apresenta uma forma do pretérito perfeito do indicativo (que tanto poderá pertencer ao verbo ser como ao verbo ir, dependendo da continuação da frase) e não uma forma do subjuntivo/conjuntivo, tal como erradamente se encontra classificada.

Pergunta:

Agradecia que me esclarecessem, em termos gramaticais, se o uso de «é normal que» + futuro do verbo ser é correcto, como na seguinte frase:

«Tudo leva a crer que sim, mas, à semelhança do que aconteceu no passado, é normal que a disponibilização dos computadores será mais demorada que para os do público.»

Muito obrigada desde já pela atenção.

Resposta:

A frase apresentada na pergunta não se encontra, na verdade, correctamente construída. Vejamos porquê.

O adjectivo normal, quando comparece com o verbo ser em posição predicativa, tal como sucede com outros, como provável ou possível, que, de alguma forma, exprimem um certo tipo de modalidade, selecciona, em português, formas do conjuntivo. Assim teremos frases como «É normal que o João esteja cansado» e não «* É normal que o João está cansado».

Ora, no exemplo apresentado na pergunta, temos uma forma do futuro do indicativo (será), que, como tal, não pode ser seleccionada pela construção «é normal», a qual, como dissemos, requer a presença do conjuntivo.

Assim, uma forma correcta para a frase apresentada poderia ser:

«Tudo leva a crer que sim, mas, à semelhança do que aconteceu no passado, é normal que a disponibilização dos computadores seja/venha a ser mais demorada que para os do público.»

Pergunta:

Em «Constantemente a titi se encafuava no meu quarto (...), rebuscando pelos cantos, nas minhas cartas e nas minhas ceroulas...» (A Relíquia, de Eça de Queirós), constantemente é um advérbio adjunto de tempo, ou de modo?

Resposta:

Dado que, nesta passagem, o advérbio constantemente está a quantificar sobre situações, ou seja, remete para o número elevado de vezes em que a titi se encafuava no quarto, estaremos perante um advérbio adjunto de tempo. Na verdade, é a dimensão temporal que parece aqui estar em causa, traduzida na frequência ou no número de ocorrências de a titi se encafuar no quarto, e não o modo como ela o fazia.

Pergunta:

Gostaria de saber se a expressão «temos a melhor decisão» está correcta. Não me soa bem, pois parece-me que as decisões "tomam-se", não se "têm". Mas tenho visto a expressão ser utilizada várias vezes, pelo que gostaria de saber se estou errado, ou não, e com que fundamento.

Resposta:

Em princípio, ambas as expressões estão correctas, embora com significados algo diferentes. Dependerá, pois, do contexto de uso a melhor adequação de uma ou de outra. Em «tomamos a melhor decisão» está a enfatizar-se o papel agentivo do sujeito, isto é, a tomada de decisão dependeu exclusivamente da vontade do sujeito da frase — no caso concreto nós. Já em «temos a melhor decisão», o que é dito é que «a melhor decisão» está, por assim dizer, na posse ou no conhecimento do sujeito, podendo, no entanto, ter sido tomada por terceiros. Assim, por exemplo, um advogado, que não tomou parte no processo de decisão, poderá dizer acerca de um acórdão de um juiz, «temos a melhor decisão». Ou seja, enquanto em «tomar a melhor decisão» o sujeito se encontra implicado em todo o processo decisório, em «ter a melhor decisão» o seu papel é bastante mais "neutro", podendo, inclusivamente, ser apenas o de "conhecedor" da melhor decisão.

Pergunta:

Sabe-se bem que o certo é «preferir x a y», e não «preferir x do que y». No entanto, quando se encadeiam outros verbos, às vezes fico em dúvida. Por exemplo, a frase «prefiro lidar com as rochas e o ferro do que com a obstinação do carcereiro» está incorreta? Seria «prefiro lidar com... a com a obstinação...»? Mas isso soa tão mal. Ou será «prefiro lidar com... à obstinação do carcereiro»? Mas aí o sentido da frase muda.

Podem me ajudar, por favor?

Grato.

Resposta:

Na verdade, e como é reconhecido na pergunta, o verbo preferir rege a preposição a e não a construção «do que» (ex. «prefiro chocolate a fruta» e não «*prefiro chocolate do que fruta»). Isto significa que uma frase como «*prefiro lidar com as rochas e o ferro do que com a obstinação do carcereiro» está mal formada.

Já a frase «Prefiro lidar com as rochas e o ferro a com a obstinação do carcereiro» parece um tanto estranha na medida em que a elipse ou o apagamento do segundo infinitivo provoca a contiguidade de duas preposições que regem núcleos diferentes e são sele{#c|}cionadas por verbos distintos: a preposição a, que depende do verbo principal preferir, e a preposição com, que depende do infinitivo lidar que não se encontra explicitamente representado. Note-se que, neste exemplo, o que é sele{#c|}cionado pelo verbo preferir não são sintagmas nominais mas orações infinitivas. Nesse sentido, se o verbo do segundo termo de comparação desaparece, o significado da frase torna-se mais difícil de compreender, na medida em que o regente da preposição com (isto é, lidar) não se encontra representado. Assim, a forma mais corre{#c|}ta para esta frase seria «Prefiro lidar com as rochas e o ferro a lidar com a obstinação do carcereiro».