Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
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Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal. Ex-consultora do Ciberdúvidas e, atualmente, docente do Instituto Piaget de Benguela, em Angola.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

A propósito da consulta feita por Alexander Meurer em 27/10/2011, pergunto:

Na frase objeto da consulta («Trabalhar no Tribunal de Justiça é um grande sonho meu»), por que se afirma que «um grande sonho meu» é o sujeito? E se a frase fosse esta: «Trabalhar no Tribunal de Justiça é bom»? O sujeito nesse caso já é «trabalhar no Tribunal de Justiça», apesar de se tratar de estrutura gramatical idêntica à da frase anterior.

Penso que a dúvida apresentada pelo nobre Alexander seja justamente essa.

Gostaria de uma nova abordagem da questão pela competente consultora Eunice Marta, a quem desde já agradeço.

Resposta:

Agradeço as palavras simpáticas que me dirigiu, esperando não defraudar as expetativas de quem me/nos apresenta dúvidas, de modo a dar continuidade ao trabalho de equipa do Ciberdúvidas.

Respondendo à questão apresentada:

De facto, tal como o consulente propõe, a oração infinitiva «Trabalhar no Tribunal de Justiça» pode ser, também, classificada como sujeito da frase (complexa) «Trabalhar no Tribunal de Justiça é um sonho meu», situação prevista pelas autoras do capítulo «Tipologia e distribuição das expressões nominais» da Gramática da Língua Portuguesa (Lisboa, Caminho, 2003, p. 825), de Mira Mateus et al., e, também, no Dicionário Terminológico.

Como se trata de uma frase com um verbo copulativo, que tem a particularidade de se poder alterar a ordem dos constituintes sem que o sentido da frase mude — «Trabalhar no Tribunal de Justiça é um sonho meu» ou «Um sonho meu é trabalhar no Tribunal de Justiça» —, poder-se-ia cair na tentação de se afirmar que se tratava de um caso de uma frase que apresenta estrutura de espelho (de que nos fala a obra citada, p. 544), mas a realidade é que este tipo de frase é formado com dois constituintes nominais referenciais (o que não é o caso). É esta a razão pela qual esta frase não pode ser considerada equativa1.

1Sobre as particularidades das frases identificacionais ou equativas, as autoras dizem-nos o seguinte: »«s frases [a) «A degradação do edifício foi a causa do desmoronamento e b)«A causa do desmoronamento foi a degradação do edifício»] apresentam uma estrutura em espelho, com dois constituintes nominais referenciais, o que poderia pôr em causa a pr...

Pergunta:

Pergunto: qual o aumentativo da palavra cacho?

Resposta:

O nome/substantivo coletivo cacho, derivado «do latim capulu-, "punhado; mancheia"», designa diferentes realidades (cf. Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, 2010):

— no domínio da botânica (um cacho de uvas, um cacho de bananas);
— os anéis de cabelos encaracolados em conjunto pendente.

O termo cacho é, também, usado com sentido figurado com o sentido de «embriagado» na expressão «estar com um cacho», sugerindo a ideia de que a pessoa ingeriu (o líquido) de muitos cachos de uvas.

Para qualquer um destes nomes/substantivos, independentemente do seu sentido, não há dúvida de que a forma analítica do aumentativo se aplica a todos:

— com a junção de um adjetivo que indique aumento, como grande ou enorme: um grande cacho (de uvas, de bananas, de caracóis) e em «está com um grande cacho»; um cacho enorme.

Relativamente à(s) forma(s) sintéticas, não encontrámos registo de nenhuma forma atestada pelas gramáticas, pelos dicionários e vocabulários ortográficos. Resta-nos, então, recorrer ao processo de formação do aumentativo previsto pelos gramáticos, que consiste no emprego dos sufixos aumentativos usados em português: -ão, -zão, -alhão, -arrão, -zarrão, -eirão, -aço, -arra, etc. Teremos, assim, várias formas de aumentativo, como por exemplo: cachão, cacharrão; cachozão.

Trata-se, portanto, de aumentativos que não se encontram dicionarizados nem estabilizados, que podem ocorrer em situações informais, em casos de uso da linguagem familiar e corrente, para se traduzir uma situação em que se realce, pela positiva ou pela negativa, a ideia/imagem de um ...

Pergunta:

A propósito da consulta feita por Alexander Meurer em 27/10/2011, pergunto:

Na frase objeto da consulta («Trabalhar no Tribunal de Justiça é um grande sonho meu»), por que se afirma que «um grande sonho meu» é o sujeito? E se a frase fosse esta: «Trabalhar no Tribunal de Justiça é bom»? O sujeito nesse caso já é «trabalhar no Tribunal de Justiça», apesar de se tratar de estrutura gramatical idêntica à da frase anterior.

Penso que a dúvida apresentada pelo nobre Alexander seja justamente essa.

Gostaria de uma nova abordagem da questão pela competente consultora Eunice Marta, a quem desde já agradeço.

Resposta:

Agradeço as palavras simpáticas que me dirigiu, esperando não defraudar as expetativas de quem me/nos apresenta dúvidas, de modo a dar continuidade ao trabalho de equipa do Ciberdúvidas.

Respondendo à questão apresentada:

De facto, tal como o consulente propõe, a oração infinitiva «Trabalhar no Tribunal de Justiça» pode ser, também, classificada como sujeito da frase (complexa) «Trabalhar no Tribunal de Justiça é um sonho meu», situação prevista pelas autoras do capítulo «Tipologia e distribuição das expressões nominais» da Gramática da Língua Portuguesa (Lisboa, Caminho, 2003, p. 825), de Mira Mateus et al., e, também, no Dicionário Terminológico.

Como se trata de uma frase com um verbo copulativo, que tem a particularidade de se poder alterar a ordem dos constituintes sem que o sentido da frase mude — «Trabalhar no Tribunal de Justiça é um sonho meu» ou «Um sonho meu é trabalhar no Tribunal de Justiça» —, poder-se-ia cair na tentação de se afirmar que se tratava de um caso de uma frase que apresenta estrutura de espelho (de que nos fala a obra citada, p. 544), mas a realidade é que este tipo de frase é formado com dois constituintes nominais referenciais (o que não é o caso). É esta a razão pela qual esta frase não pode ser considerada equativa.

Pergunta:

Observai, por favor, a frase abaixo escrita de quatro formas diferentes:

«Ah, que vida boa!»

«Ah que vida boa!»

«Ah! que vida boa!»

«Ah! Que vida boa!»

A respeito destas quatro formas tenho as seguintes dúvidas:

Coloca-se vírgula ou ponto de exclamação depois da interjeição? E não colocar nada (segundo exemplo) seria correto?

Colocar duplamente o ponto de exclamação, depois da interjeição e ao final da frase (terceiro e quarto exemplos) seria certo? Penso que, ao menos no final da frase, o ponto de admiração seja de uso obrigatório. Engano-me?

A primeira palavra depois do ponto de admiração deve ou não vir com inicial maiúscula (quarto exemplo)?

Para que eu fique mais seguro a respeito do assunto, por favor, deem-me exemplos usando as frases acima e outras análogas, inclusive com verbo(s) e com outras interjeições.

Para além de tudo isto, gostaria de obter as regras completas de quando se usa e de quando não se usa maiúscula depois do ponto de exclamação.

Que o iluminante Ciberdúvidas ilumine tudo como de hábito.

Resposta:

Tendo como referência a norma, a frase mais correta é a última — «Ah! Que vida boa!»

Segundo Celso Cunha e Lindley Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo, 17.ª ed., Lisboa, Sá da Costa, 2002, p. 588), «na escrita, as interjeições vêm de regra acompanhadas de ponto de exclamação (!)», uma vez que a reação emotiva expressa pela interjeição (Ah) pressupõe a utilização de um sinal de pontuação cuja entoação acentue «a inflexão da voz e a duração das pausas pedidas por certas formas exclamativas», de modo a «sugerir a mímica emocional que as acompanha» (idem, p. 653).

Se tivermos em conta, também, que o ponto de exclamação, enquanto sinal de valor melódico, pretende recriar as diferentes tonalidades da inflexão exclamativa e, consequentemente, representar sentimentos, emoções ou reações fortes do sujeito que enuncia a frase, evidenciando-se como «expressão de espanto, de surpresa, de alegria, de entusiasmo, de cólera, de dor, de súplica, ou de outra natureza» (idem, p. 652), apercebemo-nos de que a 4.ª frase apresentada pelo consulente — «Ah! Que vida boa!» —, em que o ponto de exclamação surge, em primeiro lugar, após a interjeição «Ah» e, depois, a pospor um enunciado em que estão evidentes sentimentos de alegria, de euforia e de entusiasmo, é, não sem dúvida, a frase mais correta.

Não podemos esquecer-nos também de que essa frase tem a particularidade de concentrar dois enunciados que transparecem sentimentos súbitos e espontâneos cuja representação gráfica se manifesta através do ponto de exclamação. Por um lado, pela singularidade que caracteriza qualquer interjeição que, «espécie de grito com que traduzimo...

Pergunta:

Gostaria de saber se existe outro verbo para massajar. Recentemente ouvi massagear e perguntei-me se seria a versão do PB.

Resposta:

O Vocabulário Ortográfico do Português, do Portal da Língua Portuguesa (da responsabilidade do ILTEC), atesta as duas formas verbais — massagear e massajar —,  tal como o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa (2001), que os coloca como sinónimos: «Massagear (de massagem + suf. –ear), o mesmo que massajar»; «Massajar = massagear» (vol. II, p. 2399). Portanto, o verbo massagear é do universo linguístico do português europeu e do Brasil (cf. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa).

No entanto, o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, 2010, regista unicamente o verbo massajar (de massagem + -ar) para designar o ato de «aplicar massagem ou massagens a», talvez porque seja esta a forma que o uso tem vindo a privilegiar. Por sua vez, o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa informa-nos somente sobre a origem do nome/substantivo a partir do qual tais verbos se formaram: massagem, do francês massage.